Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 324 co de aquisição e de preservação do patrimônio. Expressão normativa da Escola da Exegese, movimento inspirado pelo racionalismo, cujas origens romano-medievais foram retomadas e reelaboradas nos séculos XVIII e XIX, o Código Civil pretendia ser o corpo jurídico único e exclusivo das relações patrimoniais. Tal exclusividade normativa constituía elemento de segurança social. 10 O Código Civil exercia esse papel de corpo normativo único das relações patrimoniais privadas e atendia plenamente à preocupação – que se tornou um verdadeiro mito – da completude, como forma de oferecer segurança à sociedade burguesa quanto às chamadas regras do jogo. O juiz tem o dever de julgar todos os casos que lhe são submetidos, e, em seu julgamento, deve se basear na lei, que por sua vez trata de todas as possí- veis situações em que o sujeito de direito se vê em conflitos. O esquema se completava com a atribuição de grande espaço para a autonomia da von- tade, de modo que as partes contratantes pudessem completar, nos casos concretos, a tarefa do legislador, que se limitava a reprimir ilícitos. Trans- ferem-se aos contratantes, assim, os riscos e o sucesso da livre iniciativa, destinada à acumulação de capital. O dogma representado pela completu- de, na ideologia do liberalismo, fazia com que, de um lado, se situasse o Código Civil como norma exclusiva, levando-se ao extremo o monopólio estatal da produção legislativa concentrado em um único monumento le- gislativo. Por outro lado, exasperava-se a dicotomia entre o direito público e o direito privado: o direito público, responsável pelas garantias do cida- dão perante o Estado, e o direito privado, expressão da razão e da natureza das coisas, conferia liberdade absoluta de contratação e de apropriação. Tais circunstâncias explicam o chamado significado constitucional do Có- digo Civil para as relações de direito privado, bem como a compreensão da norma constitucional como mera norma de organização política, que tem como destinatário o legislador ordinário. 10 Tullio Ascarelli, em página de aguda atualidade, analisa o conflito entre as codificações do Século XIX, moldadas por valores de sociedades rurais e pré-industriais, e a realidade econômica pós-industrial, especialmente após o segundo pós-guerra europeu, a exigir do intérprete a “reconstrução tipológica da realidade”. É ver-se: “È così la stessa necessità di umana applicazione del diritto, in una realtà sempre mutevole perchè identica con la stessa storia umana, che impone la continua ricostruzione tipologica alla quale è indotto l’interprete e proprio per conciliare con la storicità e la concretezza della realtà, la costanza di un dato in realtà così sempre rinnovato nel rinnovamento di quella schematizzazione della realtà alla quale si referisce la disciplina, perciò stesso (e solo perciò) applicabile. Accanto a quelle che, riprendendo il passo paulino, diremo le regule juris, i riassunti mnemonici della disciplina, incontreremo sempre quei concetti (o, se vuolsi, pseudoconcetti) che, servendo a determinare lo stesso ambito di applicazione della norma, altrimenti inapplicabile, attengono a una costruzione tipologica della realtà in funzione della norma” ( Problemi giuridici , tomo primo, Milano: Casa Editrice Dott. A. Giuffrè, 1959, pp. 75-76).
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