Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 319 - 343, Setembro - Dezembro. 2018 321 Introdução Muito se tem debatido acerca das possibilidades e limites do que se tem designado, genericamente, como ativismo judicial . O fenômeno, que suscita intensa controvérsia, não pode ser tratado de maneira unitária e maniqueísta, ora como discurso sedicioso em favor de concepção políti- ca contrária ao ordenamento, ora como ardil antidemocrático a ser com- batido. No tempo que passa, mostra-se notável a evolução do papel da magistratura, especialmente após a Constituição de 1988, que deflagrou o itinerário vitorioso da efetividade das normas constitucionais, notadamen- te nas relações privadas. 2 A vetusta imagem, cunhada por Montesquieu, do juiz como “ la bouche de la loi ”, encontra-se definitivamente afastada da teoria da interpretação. 3 O novo papel da magistratura, contudo, longe de configurar ten- dência usurpadora da soberania popular, representa aspecto significativo do denominado constitucionalismo democrático, 4 legitimado na experiên- cia brasileira pela Constituição da República, no âmbito do qual o ativismo judicial permite a atuação jurisdicional direcionada à concretização dos valores e fins constitucionais, com interferência crescente no espaço de atuação dos demais Poderes. 5 Os limites, portanto, dessa interferência é que devem ser objeto de reflexão por parte da teoria da interpretação, para que sejam estabelecidos critérios de preservação da segurança jurídica. 2 Confira-se, acerca do significado hermenêutico da aproximação entre direito público e direito privado, Gustavo Tepedi- no, “Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil”, in Temas de Direito Civil , t. I, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 4ª ed., p. 20 e ss. 3 Já se destacou, nesta linha, o ocaso da subsunção na teoria da interpretação, tendo em vista que, “se o ordenamento é unitário, moldado na tensão dialética da argamassa única dos fatos e das normas, cada regra deve ser interpretada e aplica- da a um só tempo, refletindo o conjunto das normas em vigor. A norma do caso concreto é definida pelas circunstâncias fáticas na qual incide, sendo extraída do conjunto normativo em que se constitui o ordenamento como um todo” (Gusta- vo Tepedino, “O ocaso da subsunção”, Editorial, in Revista trimestral de direito civil, v. 34, abr.-jun./2008). 4 A expressão denota o reconhecimento de que a democracia não se esgota no respeito ao princípio majoritário, pressu- pondo antes o acatamento das regras do jogo democrático, que incluem a garantia de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República, de modo a viabilizar efetiva participação igualitária do cidadão na esfera pública, com a indispensável tutela das minorias. Tal noção de democracia é comungada por grande parte dos teóricos contempo- râneos. Por todos, v. Jürgen Habermas, “Popular sovereignty as procedure”, in Deliberative democracy , org. James Bonham and William Rehg, Cambridge, The MIT Press, 1997, p. 49: “Human rights do not compete with popular sovereignty; they are identical with the constitutive conditions of a self-limiting practice of publicly discursive will-formation. The separation of powers is then explained by the logic of application and supervised implementation of laws that have been enacted through such a process”. 5 Luís Roberto Barroso, “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática”, in Constituição e Ativismo Judicial : limites e possibilidades da norma constitucional e da decisão judicial, org. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; Roberto Fragale Filho; Ronaldo Lobão, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 279.
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