Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018 317 Há ainda o jacobinismo republicano , que aceita sacrificar direitos funda- mentais no “altar da república”. A defesa dos valores republicanos – espe- cialmente, o combate à corrupção – é vista como fim maior, que legitima graves restrições aos direitos humanos. O objetivo é promover a “salvação pública” e a nobreza do fim justifica qualquer meio empregado. O jacobi- nismo republicano tem pontos de contato com o republicanismo dos he- róis mascarados, mas dele se diferencia por não envolver necessariamente a veneração personalista dos supostos salvadores da pátria. O jacobinismo republicano é também perigosíssimo. Ao longo da história, ideias e movimentos similares já eliminaram milhões de vidas. Direitos fundamentais são “trunfos”, 54 que não devem ser sacrificados, mesmo que para a promoção de objetivos muito relevantes, tais como a luta contra a corrupção. O republicanismo que vale à pena não é avesso ou indiferente aos direitos fundamentais. Pelo contrário, ele toma a proteção e promoção desses direitos, em bases equânimes e igualitárias, como uma das suas maiores missões. Ele não concebe a existência de um “bem supe- rior” cuja preservação justifique o generalizado atropelo a direitos funda- mentais. Muito menos aceita a instituição, em seu nome, de um estado de exceção, 55 em que tudo se torne aceitável, desde que voltado ao objetivo maior de “purificar” a sociedade dos seus vícios. Esse tema provoca discussões candentes no campo penal. De um lado, há os que se opõem a qualquer mudança no status quo, que é de uma justiça penal seletiva, que pune os pobres e negros mas não alcança os ricos e poderosos. Criticam de forma generalizada a criminalização da política, como que defendendo nossa arcaica tradição de impunidade dos políticos que cometem crimes. Do outro, há aqueles que, evocando ideias republicanas de combate à corrupção e à impunidade, pretendem trocar direitos e garantias pela maior facilidade na aplicação de punições e de restrições à liberdade. 54 A ideia de que os direitos fundamentais representam "trunfos", que devem prevalecer sobre outros objetivos políticos, inclusive os ligados à promoção do bem-estar da comunidade, foi desenvolvida com densidade por Ronald Dworkin. Veja- se, a propósito, Ronald Dworkin. "Rights as Trumps". In: Jeremy Waldron (Ed.). Theories of Rights. Cambridge: Oxford University Press, 1984. 55 A teoria do estado de exceção foi explicitamente invocada em acórdão do TRF da 4ª Região, para justificar e validar medidas heterodoxas impostas pelo Juiz Sério Moro no âmbito da Operação Lava Jato (cf. TRF da 4ª Região, P.A. nº 003021-32.2016.4.04 .8000/RS, Corte Especial, Relator Des. Federal Rômulo Pizzolati, julg. 23.09.2016, disponível em https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regas-casos.pdf) .
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