Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018 316 ral, real ou imaginada; porém, são cegos ou excessivamente “benévolos” quando problemas similares ocorrem no seu campo. Muito mais preocu- pante é quando tal desvio atinge instituições que deveriam se manter po- liticamente neutras. As oscilações injustificadas na jurisprudência do STF sobre temas ligados à responsabilização de políticos parecem representa- tivas desse grave problema. Outro desvio é o republicanismo dos heróis mascarados. Ele ocorre quando setores da sociedade, cansados diante de graves problemas que parecem in- vencíveis, como a corrupção, deixam-se seduzir pela ideia de que a república só pode ser construída pela ação voluntarista de alguns “heróis”, e passam a tolerar, quando não a aplaudir, seus excessos e arbitrariedades. No Brasil atual, esses heróis mascarados são sobretudo juízes, integrantes do Ministé- rio Público e delegados envolvidos na persecução e jurisdição penal. A operação Lava Jato tem dado, certamente, grande contribuição ao país, por revelar as entranhas da corrupção na máquina pública, e levar o Direito Penal ao andar de cima da pirâmide social, desafiando a sua his- tórica seletividade. Mas ela tem também produzido em grande escala esse republicanismo dos heróis mascarados, muito danoso para o Estado de Direito e para os próprios valores republicanos. A crença na salvação nacional pela ação de vingadores mascarados gera vários problemas. Nessa lógica, a república deixa de ser concebida como uma construção da cidadania, dependente do funcionamento adequado das instituições e do engajamento cívico das pessoas, para se converter em dádiva concedida por heróis, e deles dependente. O povo não é visto como agen- te de transformação, mas como mero espectador de um filme de faroeste, cabendo-lhe apenas torcer para que os cowboys derrotem os bandidos. Pior ainda, cria-se ambiente de tolerância em relação a excessos e violações de direitos cometidas pelos “heróis”. Esses excessos são muitas vezes aplaudidos pela sociedade, e qualquer crítica contra eles, ou tentativa institucional de limitá-los, é logo vista como manifestação de apoio e de cumplicidade diante de práticas corruptas. Contudo, o republicanismo não rima com a tirania ou com o culto à personalidade. A república é a antítese do despotismo. Por isso, o republicanismo dos heróis mascarados tampouco é compatível com o princípio da república, nos termos em que está consa- grado em nossa ordem constitucional.
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