Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018  310 de, garantia de liberdades individuais etc. Em outras palavras, a liberdade republicana não é compatível com arranjos institucionais, formais ou in- formais que confiram poderes incontrastáveis a determinados agentes. Nessa linha, uma das graves ameaças à república que paira atual- mente sobre o país é o processo que Diego Werneck Arguelles e Leandro Molhano Ribeiro, em texto instigante, designaram de “ministocracia” 38 : o poder sem balizas jurídicas que, na prática, cada ministro do STF tem para tomar, individualmente, decisões que interferem de modo profundo na vida do país, por meio, por exemplo, da concessão de liminares mo- nocráticas que vigem por vários anos em temas de grande importância, de pedidos de vista obstrutivos que impedem decisões sobre questões fundamentais etc. Por outro lado, é igualmente problemática para o republicanismo a inserção dos indivíduos em relações políticas, sociais e econômicas carac- terizadas pela dependência e pela subordinação, que, na prática, sufoquem a sua liberdade. O ideário republicano visa também a assegurar a cada cidadão as condições necessárias para o exercício da sua liberdade, não só perante o Estado, como também diante dos poderes sociais privados. Essa pretensão requer, muitas vezes, a intervenção estatal nas relações sociais. Portanto, a república não se concilia com o abstenteísmo do Estado dian- te de fortes assimetrias de poder e opressão das partes mais vulneráveis. Republicanos normalmente endossam a conhecida máxima de Lacordaire: “entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o mestre e o senhor, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”. 39 3.5. Separação entre o público e o privado: impessoalidade, transparên- cia e controle na gestão da coisa pública A república exige clara separação entre a coisa pública e o domí- nio privado, com a garantia de impessoalidade, transparência e controle na gestão da res publica. Os agentes do Estado não cuidam do que é seu, mas de toda a coletividade. Por isso, não podem se relacionar com a coisa pública do mesmo modo como lidam com seus assuntos e interesses par- ticulares, submetendo-os aos seus desejos e preferências pessoais. 38 Diego Werneck Arguelles e Leandro Molhano Ribeiro. "Ministocracia: O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro". Novos Estudos CEBRAP, v. 37, n. 1, 2018, p. 13-32. 39 Jean-Baptiste-Henri Dominique Lacordaire. Conferénces de Notre-Dame de Paris. Paris: Sagnier et Bray, 1848, p. 246.

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