Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018  309 superior. 33 Não há qualquer razão plausível que justifique o melhor trata- mento no cárcere, antes da condenação definitiva, das pessoas mais cultas – quase sempre também as mais ricas e mais brancas. Pela sua instrução, até se pode presumir que tais pessoas tiveram mais chance do que os de- mais presos de seguir outros caminhos de vida, longe da criminalidade. Nada obstante, o privilégio, que tem o sabor do Antigo Regime, vigora entre nós, quase sem contestações. 34 3.4. Liberdade contra a tirania e a sujeição: a não dominação Na história das ideias, a república sempre foi associada à liberdade política. O republicanismo valoriza os governos limitados, rejeitando to- das as formas de despotismo, ao mesmo tempo em que estimula a partici- pação popular no exercício do poder, como será visto adiante. Na filosofia política, 35 o republicanismo desenvolveu compreensão própria de liberdade, a qual não se confunde com aquela tradicionalmente sustentada pelo liberalismo, que a enxerga como ausência de constrangi- mento externo à ação do agente. 36 A liberdade, para o republicanismo, é concebida como “não dominação”. 37 Nessa perspectiva, a submissão a leis gerais e abstratas, compatíveis com a lógica do Estado de Direito ( rule of law ), não é vista como problema para a liberdade. Mas a sujeição dos cidadãos aos caprichos e preferências das autoridades e governantes, sim. Por isso, o republicanismo demanda o emprego de técnicas de con- trole do poder estatal: separação de poderes, sistema de freios e contrape- sos ( checks and balances ), submissão das autoridades ao princípio da legalida- 33 A prisão especial encontra-se prevista e disciplinada no art. 295 do Código de Processo Penal. 34 Veja-se, a propósito, Valquíria Padilha. "A distinção por trás das grades: reflexões sobre a prisão especial". Revista de Sociologia Jurídica, n. 4, 2007. Saliente-se, por oportuno, que a prisão especial foi questionada no STF por meio da ADPF 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República. 35 Não será objeto de análise aprofundada neste estudo a corrente filosófica conhecida como republicanismo. Vale, porém, consignar que, na contemporaneidade, o republicanismo é uma linha importante do pensamento que critica o li- beralismo político, acusando-o de endossar visão excessivamente atomizada e individualista da sociedade. Sem abandonar a defesa dos direitos fundamentais, que marca o liberalismo, o republicanismo incorpora outras preocupações centrais à sua agenda, como a valorização da participação do cidadão na coisa pública e o cultivo de virtudes cívicas. Veja-se, a propósito, Maurizio Virolli. Republicanism. New York: Hill and Wang, 2002; Philip Pettit. Republicanism: A Theory of Free- dom and Government. Oxford: Oxford University Press, 1996; Frank Michelman. “Law’s Republic”. Yale Law Journal, v. 97, n. 8, 1998, p. 1493-1537; Roberto Gargarella. Las Teorias de la Justicia desde Rawls. Barcelona: Paidós, 1999, p. 181-186. 36 A visão liberal clássica da liberdade como ausência de interferência externa foi canonicamente exposta por Hobbes: "Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição os movimentos externos do movimento)" (Thomas Hobbes. O Leviatã. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 29). 37 Cf., e.g., Philip Pettit. Republicanism : A Theory of Freedom and Government. Op. cit., p. 51-79; Quentin Skinner. “A Third Concept of Liberty”. In: David Miller (Ed.). The Liberty Reader. Boulder: Pardigm Publishers, 2006, p. 243-254.

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