Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018  307 lativas. 27 Diante do teor expresso do art. 27, § 1º, da Constituição, tenho dificuldade em compreender a diferença de entendimento nos dois casos. Para mim, em ambos, não cabe a deliberação legislativa sobre a decisão judicial, que não se compatibiliza nem com o princípio republicano, nem com a cláusula da separação de poderes, a qual preserva a independência das decisões judiciais diante dos poderes políticos. 3.3. Igualdade republicana: ninguém abaixo e ninguém acima das leis A igualdade é outro componente fundamental do princípio repu- blicano que não se compatibiliza nem com a instituição de privilégios aos governantes e às elites, nem com a denegação sistemática de direitos aos segmentos excluídos da população. Trata-se, como já salientado, de com- ponente bastante problemático na sociedade brasileira, por razões históri- cas, econômicas e culturais. Afinal, o Brasil tem níveis de desigualdade social absurdos e inacei- táveis. Entre nós, a desigualdade tem também forte componente racial, re- sultado não só de quase quatro séculos de escravidão negra e do genocídio indígena, como também da persistência do racismo nas nossas relações sociais. E a desigualdade ainda atinge gravemente a outros grupos, diante da existência de discriminação social fundada em critérios como gênero, deficiência, orientação sexual e religião. A desigualdade no Brasil não é apenas material. Nemmesmo a igual- dade formal, que se alicerça na compreensão de que as pessoas devem ter os mesmos direitos, chegou a ser plenamente absorvida pela nossa cultura. Esta ainda se vale, por vezes, de categorias estamentais para a distribuição de direitos e deveres, se não na letra da lei, pelo menos no mundo real. Como salientou Jessé de Souza, “para que haja eficácia da regra da igualdade é necessário que a percepção da igualdade na dimensão da vida cotidiana seja efetivamente internalizada”, 28 o que ainda não ocorre plenamente entre nós. Evidentemente, o regime republicano vê-se comprometido dian- te de tamanha desigualdade. Em uma república, as relações travadas em sociedade devem ser horizontais, entre pessoas que se reconheçam e se 27 STF, ADI 5.823- MC, Rel. Min. Marco Aurélio; ADIs 5.824-MC e 5.825-MC, Rel. Min. Edson Fachin, julgamentos em curso. 28 Jessé de Souza. "A gramática social da desigualdade brasileira". In: Jessé de Souza (Org.). A Invisibilidade da Desigualdade Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 31.

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