Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296 - 318, Setembro - Dezembro. 2018 297 centralidade foi reforçada pelo povo brasileiro no plebiscito ocorrido em 1993, quando, por expressiva maioria, optamos pela manutenção da for- ma republicana de governo, em detrimento da monarquia. 1 Porém, entre a proclamação do princípio e a realidade há um abismo, que ainda não fomos capazes de transpor nestes trinta anos de vigência da Carta de 88. No presente artigo, discuto brevemente alguns déficits relacionados à efetivação da ideia de república no Brasil. Em seguida, busco definir o conteúdo básico do princípio republicano na ordem constitucional bra- sileira, delineando seus contornos normativos e principais componentes. No final, descrevo três desvios em que a invocação desse princípio vem incorrendo nos últimos tempos. Pelos limites de tamanho impostos ao artigo, as questões tratadas neste texto – todas elas complexas e multiface- tadas – serão abordadas de forma bastante abreviada. 2. A República que não temos sido: patrimonialismo, cordialidade, jeitinho e desigualdade O começo não foi promissor. Na primeira carta escrita no país, em que Pero Vaz de Caminha comunica a D. Manoel, rei de Portugal, a “des- coberta” do Brasil, a aversão aos valores republicanos já se revelava. Na missiva, Caminha solicita o favor real para a libertação de seu genro, que fora banido para a ilha africana de São Tomé. 2 Essa aversão foi também registrada no primeiro livro sobre a história nacional, de Frei Vicente de Salvador, publicado em 1627: “ Nenhum homem nesta terra é republico, nem zela ou trata do bem público, senão cada um do bem particular ”. 3 O nosso sistema político tardou a adotar o regime republicano. As demais nações sul-americanas tornaram-se repúblicas tão logo conquista- ram a independência. No Brasil, como se sabe, demoramos mais: em so- lução singularíssima, proclamou-se a independência de Portugal, mas se optou pela monarquia, com a manutenção da própria dinastia que reinava em nossa antiga metrópole – os Bragança. Décadas depois, quando a Repú- blica foi finalmente instituída, ela não resultou de revolução popular, ou de 1 A realização do plebiscito foi prevista pelo art. 2º do ADCT. No resultado, a república contou com 66,06% dos votos, contra 10,21% da monarquia (houve também 10,49% de voto brancos e 13,24% de votos nulos). 2 No último parágrafo da histórica carta, datada de 1º de maio de 1500, Caminha pediu: "E por que, Senhor, é certo que neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro " o que d "Ela receberei em muita mercê". 3 Veja-se Frei Vicente de Salvador. História do Brasil, 1627, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/ texto/bn000138.pdf.
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