Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018 113 brechas da lei e endurecer as penas de corrupção para todos, exatamente o que as 10 Medidas propunham, aplicando-se a todos. A carne podre deve ser cortada, seja em que corpo estiver. Vejamos alguns “jabutis” da proposta. Ela ressuscitou um projeto apresentado pelo deputado Paulo Maluf, em 2007, que abria espaço para que o promotor ou procurador seja condenado a uma pena criminal e ainda pague uma indenização no caso de a acusação feita por ele ser rejeitada pela Justiça. O texto criminaliza ainda a instauração de investigações “sem que existam indícios mínimos” ou o oferecimento de acusações “sem justa causa fundamentada”. Assim, a punição fica sujeita a uma intepretação subjetiva de palavras vagas, porque Direito não é Física ou Matemática. Crimes vagos dão margem a perseguições, retaliação, vingança e acovardamento, impedin- do o legítimo exercício da função. Além de tudo isso, há algo ainda pior: o famigerado projeto de com- bate ao “abuso de autoridade” possibilita que o próprio investigado proces- se o promotor, o procurador e o juiz. Estaria, assim, inaugurada a temporada de caça aos investigadores. Ainda que essas ações fossem totalmente impro- cedentes, dificilmente sobraria tempo das autoridades para outra coisa, em investigações contra poderosos, senão para preparar defesas e responder a processos, sem falar nos custos de advogados. Antonio Di Pietro, procura- dor da Operação Mãos Limpas, na Itália, teve de renunciar ao cargo para se dedicar à própria defesa, ao enfrentar mais de cem acusações. No caso Fujimori-Montesinos, não foi muito diferente: o promotor designado para o caso, José Ugaz, hoje presidente da Transparência Internacional, respondeu a 75 acusações criminais. Na Lava Jato, em que oferecemos acusações contra mais de 250 pessoas, muitas delas poderosas, o que seria de esperar? Ou o Estado protege os acusadores contra retaliações, ou se cria um sistema em que o império da lei e o Estado de Direito não terão como prosperar. É bom recordar que a emenda, chamada de “salva-ladrões” por al- guns, foi colocada em votação poucas semanas após a força-tarefa ter ido a público denunciar tentativas de minar a Lava Jato, primeiro por meio de uma mudança na lei da leniência e depois pelo perdão à corrupção e à lavagem de dinheiro disfarçado de anistia ao caixa dois. O projeto aprovado pela Câmara, sem surpresas, proibiu também que promotores e procuradores falassem com a imprensa, ressuscitando a “lei da mordaça”. Se essa lei entrar em vigor, fragilizará muito a Lava Jato, que tem como um de seus
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