Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018  105 a própria operação corria risco de acabar completamente. O clima era de tempestade. Assinalei, ainda, que o segundo grande risco de retrocesso consistia na aprovação de uma lei para intimidar juízes e promotores e cercear sua atuação. Chamei atenção para a nota do juiz Sergio Moro, que raramente se manifesta publicamente fora dos autos. Era um grito de desespero, e a sociedade precisava atentar para a gravidade da situação. Se aprovada, a autoanistia seria uma medida de autoproteção contrária ao interesse público, que atingiria o coração da esperança no nosso país. O conjunto da reação levou Rodrigo Maia a recuar e a adiar a vota- ção das 10 Medidas para a terça-feira seguinte, dia 29. Foi um alívio para todos nós. Tínhamos conseguido uma sobrevida e algum tempo para nos articularmos. Houve uma ampla repercussão social desses acontecimen- tos, com forte apoio da imprensa e nas redes sociais. Naquele mesmo dia o decano da Câmara, deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), alertou que os defensores da autoanistia não haviam recuado por vergonha, mas por uma questão de estratégia. Em suas próprias pala- vras: “Vergonha é uma mercadoria em falta na Câmara. Eles têm um pa- drão de comportamento. Trabalham com o método de tentativa e erro. Vão forçando a barra. Quando dá, avançam. O que houve agora não foi uma desistência. Aconteceu um recuo organizado.” O deputado afirmou que a Câmara atual tem“uma ousadia que revela um desprezo pela opi- nião pública jamais visto”. Ao mesmo tempo, outra polêmica abalava o governo Temer. A partir do dia 19 de novembro, vinha repercutindo na mídia a acusação do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, de que fora submetido a intensa pressão por parte do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para liberar uma obra embargada pelo Iphan em Salvador. Detalhe: Geddel era proprietário de um apartamen- to avaliado em 2,5 milhões de reais no edifício que era alvo da disputa. Calero afirmou que não desejava a ninguém estar debaixo de tal “pressão política, claramente um caso de corrupção”. A gravidade do assédio, qualificado como “inacreditável” pelo ex-ministro da Cultura, levou-o a pedir demissão no dia 18. Geddel, político influente e presidente do PMDB na Bahia, chegou a ser chamado de homem forte do presidente Temer. Seu nome já havia sido citado no escândalo de corrupção dos Anões do Orçamento, que veio à tona em 1993 e é um dos vários casos brasileiros clássicos de impunidade.

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