Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018  104 Diante da iminência de esse plano ser executado no dia 24 de no- vembro, Carlos Fernando colocou a boca no trombone. Ele viajara cedo para Brasília, para um seminário internacional sobre a Lava Jato e as 10 Medidas. No avião, foi pensando no que precisava falar. Logo após o se- minário, perto das onze da manhã, já estava diante das câmeras: “Temos uma grande colaboração a ser celebrada esta semana. Não é à toa que o Congresso Nacional está em polvorosa. Há muitos necessitados de salva- ção entre deputados e senadores, e são eles que estão agora abandonan- do todo o pudor, lutando pela própria sobrevivência.” Ele arrematou: “A ideia de anistiar caixa dois é falsa. O que se pretende é anistiar a corrupção. Não é dia de luva de pelica, é dia de luva de boxe.” Foi o início da reação. Em seguida o juiz Sergio Moro emitiu nota afirmando: “Toda anistia é questionável, pois estimula o desprezo à lei e gera desconfiança. Então, deve ser prévia e amplamente discutida com a população e deve ser objeto de intensa deliberação parlamentar.” O ma- gistrado manifestou ainda sua preocupação com a anistia a crimes de cor- rupção e lavagem de dinheiro, a pretexto de anistiar doações eleitorais feitas sem registro. Isso impactaria não só a Lava Jato, mas a “integridade e credibilidade, interna e externa, do Estado de Direito e da democracia brasileira, com consequências imprevisíveis para o futuro do país”. Logo após o almoço, veio um pedido urgente do gabinete do pro- curador-geral para que eu entrasse ao vivo na GloboNews, no programa Estúdio i, para reforçar a reação. A minha sensação era de que o teto esta- va desabando sobre a nossa cabeça. Não havia tempo para me deslocar até o estúdio em Brasília, então um técnico de informática foi até a sala onde eu estava, na sede da Procuradoria-Geral da República, para assegurar a conexão de uma videoconferência com os entrevistadores. Jeanne Alves, assessora de comunicação, estava nervosa – a tensão no ar era evidente. O sinal de internet no meu celular estava instável e o técnico, Ricardo Selling, colocou seu telefone particular à disposição. Eu estava com as emoções à flor da pele. Fui ao banheiro, respirei fundo. Na entrevista, expressei minha grande preocupação com o que es- tava acontecendo. Esclareci ser evidente que o grande objetivo dos parla- mentares era criar uma redação que permitisse a anistia a crimes de cor- rupção e lavagem de dinheiro, o que se aplicaria a todo mundo que já tinha sido investigado, processado ou preso na Lava Jato. A depender do texto,

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz