Revista da EMERJ - V. 20 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 88 - 114, Setembro - Dezembro. 2018 103 condutas prévias à lei não se sujeitavam a punição. Isso era uma grande mentira. O que as 10 Medidas faziam era aumentar a abrangência e as penas do crime de caixa dois, que já existia. É claro que essa alteração não se aplicaria a condutas anteriores, que continuariam a ser regidas pela lei antiga, que punia, sim, essa prática ilegal. Mas por que tanta preocupação com esse assunto, se não havia qualquer perspectiva real de punição dos crimes do passado? No dia 23 de novembro passou a circular uma emenda às 10 Medidas que mostrava que o real objetivo não era anistiar o caixa dois, mas sim anistiar com ele os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro praticados no âmbito da Lava Jato. Como no caso da leniência, duas semanas antes, o texto era apócrifo. Se fosse aprovado, seria uma catástrofe. A malandragem estava em tratar tanto a corrupção quanto a lavagem com base no critério da destinação dos recursos. Havia a proposta de uma anistia geral para qualquer quantia de dinheiro – mesmo advinda de propinas – usada até então para financiar cam- panhas eleitorais. Pouco importava se tinha sido obtida em razão do exercício de cargos governamentais ou se estava vinculada a contratos de obras públi- cas. Contanto que o dinheiro tivesse sido utilizado para custear campanhas, os crimes seriam perdoados. Criminosos condenados pelo Mensalão e pela Lava Jato poderiam sair pela porta da frente das penitenciárias. Tudo começou a fazer sentido: o falso discurso sobre o caixa dois, a boa vontade da Câmara em esperar até tarde da noite para votar o projeto que saísse da Comissão Especial, a disposição do Senado em votar as 10 Medidas logo em seguida à votação da Câmara. Houve até quem suspei- tasse que o projeto de crimes de responsabilidade era apenas um “boi de piranha”, um bode na sala, que abrira espaço para passar a anistia. Mais tarde, os jornais trariam a público que o próprio Rodrigo Maia – assim como o grupo de Renan Calheiros – estava sendo apontado nas delações da Odebrecht como beneficiário de propinas. Um colega havia contado sobre uma conversa com um deputado que mostrava bem o clima do momento: “Aqui está todo mundo apavo- rado com a delação da Odebrecht. Isso impulsiona a anistia ao caixa dois. Todo mundo sabe que pode gerar uma repercussão negativa, mas vários deputados têm que escolher entre ir para a cadeia e aprovar o caixa dois. Melhor do que ser preso é encarar a probabilidade de uma reação social ou rejeição futura nas urnas. Eles escolherão não ir para a cadeia.”
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