Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 277-290, Maio/Agosto. 2018 281 lar da ação penal possa exercê-la, bem como requerer medidas cautelares. 8" Como vimos acima, é difícil enxergar a função garantidora do Inquérito Policial se pensado exclusivamente sob esta perspectiva punitivista, já que o objetivo final, neste caso, é possibilitar em úl- tima análise a aplicação de pena. Qualquer pessoa que se pense relacionada a um inquérito na qualidade de investigado dificilmente se sentiria potencializado em suas garantias, muito pelo contrário, a fragilidade é algo comum de se ver nos investigados, que possuem o seu status dignitatis ao menos abalado ao se verem alcançados por alguma medida de natureza investigativa. 9 Todavia, o inquérito não pode ser pensado exclusivamente sob a perspectiva da pena, assim como todo o processo penal também não o deve ser, visto que representa somente uma das soluções pos- síveis. Pensá-lo desta maneira seria reduzir e muito a sua potencia- lidade, além de associá-lo a uma visão completamente autoritária e ultrapassada. Como é sabido, o sistema inquisitivo flerta com o autoritarismo, já que acaba por investir o Estado de uma posição agi- gantada em relação ao indivíduo, que é absolutamente subjugado à sua força. 10 No inquérito, pensado exclusivamente sob a perspectiva punitivista, é exatamente isso que vemos: órgãos estatais encarrega- dos da investigação com o status de “donos da verdade”, numa posi- ção superior, enquanto que o indivíduo é tão somente um objeto de apuração, ostentando posição inferior. De fato, quando analisado sob a perspectiva de detenções ile- gais, tais como flagrantes forjados ou injustificados, ou ainda acu- sações falsas e infundadas, a instauração de um inquérito policial pode, realmente, representar uma garantia de que o indivíduo não será preso ilegalmente ou acusado de forma arbitrária, e de que terá, além disso, a oportunidade de esclarecer os fatos. Neste sentido, aponta Márcio Adriano Anselmo que “deve ser apontado o papel da investigação preliminar na eficácia dos direitos fundamentais, en- 8 BADARÓ, Gustavo H. Processo Penal, p. 122. 9 Aury Lopes Jr., recorrendo à Criminologia crítica, reconhece a função de etiquetamento “labeling approach” realizado pelo processo em razão do indivíduo, funcionando com um fator estigmatizante junto ao corpo social, além de possuir diversas penas acessórias. Resumindo, ensina o autor: “Nesse panorama, o processo penal representa a retirada da identi- dade de uma pessoa e a outorga de outra, degrada, estigmatizada. Em definitivo, o processo penal é uma clara atividade de etiquetamento.” LOPES JR., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal, p. 48. 10 Como constata o Professor Langer, o termo “acusatório” tende a ser ligado historicamente à concepções liberais e democráticas de justiça criminal, enquanto a expressão “inquisitivo” geralmente é referida à concepções autoritárias. (LANGER, Máximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Ameri- canization Thesis in Criminal Procedure, p. 19).
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