Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 277-290, Maio/Agosto. 2018  279 investigação oficial, sendo o acusado, de fato, o objeto de uma apu- ração supostamente imparcial 3 que tende a averiguar a ocorrência ou não de um delito. É como ensina Máximo Langer, ao afirmar que “no modelo de investigação oficial, que corresponde ao sistema inquisitorial, o processo criminal é conceituado como uma inquirição feita por um ou mais oficiais do Estado buscando determinar se o crime foi cometido e se o acusado o cometeu.” 4 Nas realidades processuais que seguem, em maior ou menor medida, nesse sistema, 5 a função das partes do conflito (autor e ví- tima) apresenta-se consideravelmente diminuída, sendo que sequer podem ser considerados efetivamente como partes. 6 Ao contrário, a apuração recai sobre estes, que na verdade funcionam como verda- deiros objetos do processo, de modo que qualquer atuação por parte destes costuma ser considerada como uma distração desnecessária. Neste sentido, uma vez que o inquérito policial traduz-se numa investigação de cunho inquisitivo que visa a apurar de forma oficial a ocorrência de delitos, como ele poderia representar um instrumento de garantias? Uma vez projetado originariamente para a apuração de delitos de forma imparcial, em que circunstâncias é possível afirmar a função de garantias do inquérito policial? A referida forma de pensar este instituto em particular nasceu por conta da prática que se tornou corriqueira, envolvendo a apre- sentação, por agentes de segurança, de situações flagranciais reu- niam os elementos necessários para uma autuação em flagrante ou de caráter inquisitório e uma fase processual acusatória, ou pelo menos, proposta como acusatória (…).” (KHALED JR., Salah H. O sistema processual penal brasileiro. Acusatório, misto ou inquisitório?, p. 294). 3 A imparcialidade na apuração representa uma falácia, posto que em qualquer investigação empírica, o responsável o faz de maneira necessariamente seletiva, partindo de determinados pressupostos, interesses e pontos de vista do próprio investigador. É assim em qualquer área do conhecimento que lide com fatos, bastando imaginar um historiador que analisa determinados acontecimentos segundo os seus interesses historiográficos e, por mais que utilize um determinado critério objetivo de seleção, certamente acabará por privilegiar determinadas fontes históricas em detrimento de outras, chegando até mesmo a ignorar algumas. (HABERMAS, Junger. Conhecimento e interesse, p. 216.). 4 LANGER, Máximo. From Legal Transplants to Legal Translations: The Globalization of Plea Bargaining and the Americanization Thesis in Criminal Procedure, p. 23. Tradução livre. 5 Máximo Langer afirma que as clássicas expressões “acusatório” e “inquisitivo” como modelos teóricos revelam, de fato, tipos ideais, de modo que inexistem sistemas concretos que correspondam de forma completa às características e expectativas propostas. Vejamos o autor: “Não ha nenhum processo penal atual que contenha todas as características de um desses tipos ideais. Todavia, assim como os edifícios podem se aproximar em maior ou menor medida a um determinado estilo arquitetônico, os processos penais podem se aproximar em maior ou menor medida a um determinado tipo ideal descritivo sobre o processo penal.” (LANGER, Máximo. La larga sombra de las categorías acusatorio- inquisi- tivo, p. 17). Tradução livre. 6 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do Novo Juiz no Processo Penal, p. 23.

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