Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 261-276, Maio/Agosto. 2018 274 gramática lato sensu (conjunto de regras subjacentemente fonológicas, mas prioritariamente morfossintáticas compartilhadas por um grupo; o que Chomsky chamaria de “estrutura superficial”). O texto literário vai àquele conjunto de regras estabelecido pela gramática e o reconstrói por meio das possibilidades, latências, virtua- lidades, e não necessariamente das formas já existentes ou expressas, de tal maneira que sua decodificação exige, frequentemente, que o interlocutor trilhe passos e pistas deixados (muitas vezes ocultos ou opacos) pelo locutor, a fim de construírem, juntos, um sentido possí- vel, com graus de verossimilhança interna ou até mesmo externa (o que Chomsky chamaria de “estrutura profunda”) 12 . Os conteúdos compartilhados alcançam, assim, valores interlocu- tivos, que são precedidos pelo grau de sucesso com que aquele con- trato de comunicação se consubstanciou. Assim, vemos que aquilo a que chamamos de tecnologia semântica, fundamental ao julgamento e à interpretação mediada dos fenômenos, deve abarcar também os textos literários e poéticos, repletos não apenas de palavras (e significações) dadas, consensuais, mas também possíveis, latentes, porvindouras. Para dar um exemplo, se começamos a ler um texto que sabe- mos ser um conto de fadas, ou um poema surrealista, precisamos nos desligar de certos aparatos racionais a fim de o interpretarmos. Sabere- mos, graças ao contrato de comunicação emitido de antemão, que, se nos mantivermos numa trilha exclusivamente racional ou remissiva ao mundo concreto da lógica cartesiana, a leitura do texto será prejudica- da ou mesmo fracassada. Podemos – e devemos – apelar, nesse caso, à fantasia. Esse mesmo apelo não se mostrará eficaz se quisermos, em vez disso, decodificar um memorando, uma bula de remédio. CONSIDERAÇÕES FINAIS As palavras são o meio mais privilegiado da comunicação humana. Isso ocorre porque elas partem do discurso vivo, e com- põem, com essa liberdade, o que se chama “léxico” de uma língua. Levando-a em consideração, a fenomenologia social (dialógica) e individual (monológica) é interpretada e deve, portanto, ser julgada. 12 As verossimilhanças dizem respeito basicamente à coerência que um texto alcança. Ela é externa quando encontra abrigo no mundo real; e interna, quando sua existência se pauta nas inter-relações semânticas ocorridas dentro do texto, muitas vezes com grau amplo de desligamento do mundo real.
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