Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 261-276, Maio/Agosto. 2018  269 é, referenda a trajetória que vimos empreendendo neste artigo, uma vez que se ampara em ideias como língua, linguagem, lógica, palavras, significados, sentidos, texto, contexto, concretudes, abstrações. Observando a palavra pelo viés antropológico, sob a noção de ideologia, Leandro Konder, em sua obra A questão da ideologia , no capítulo 15, “Ideologia e linguagem”, evoca o caráter simbólico e revestido de memória que, nessa obra, é evidenciado pela questão ideológica, de poder, de hierarquia. Assim, o autor inicia seu capítulo reconhecendo que “Um dos campos de observação mais ricos para o observador dos fenômenos ideológicos é, com certeza, o da lingua- gem” (KONDER, 2004, p. 151). Em seguida, observando acuradamente a etimologia de certas palavras, percebe que se trata de elementos cuja raiz aponta para as relações de poder e hierarquias socioculturais e socioeconômi- cas. Ainda que muitas dessas raízes não sejam mais sincronicamente transparentes, a opacidade contemporânea não deixa, contudo, de evidenciar o aspecto simbólico e memorialista que as palavras carre- gam. Embora quase unilateralmente marxista, dadas algumas mitiga- ções necessárias, portanto, ao investigador que, não raro, apaixona- -se quase cegamente por seu objeto (ou método) de estudo, o texto de Konder pode esclarecer essa duplicidade simbólico-memorialista inerente à palavra, quando a articula à perspectiva da ideologia ali imbricada: O povo sempre foi olhado com desprezo e com receio pe- los de cima. As palavras que a elite usava para designá-lo deixam transparecer a avaliação negativa: em latim, povo era vulgus , termo do qual deriva o adjetivo vulgar. Juntos, os homens do povo constituíam uma turba e a partir dessa palavra se formou o verbo perturbare e o substantivo tur- bulência. O próprio número dos elementos populares os tornava assustadores: o termo multi (muitos), que deu mul- tidão, deu também tumulto. Quando se deixavam ensinar ( docere ) e aprendiam as normas de conduta que lhes eram recomendadas pelos detentores do poder, os homens do povo eram elogiados, eram considerados dóceis. [...]

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