Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018

211  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 202-243, Maio/Agosto. 2018  legislador constituinte referida missão ao legislador ordinário (critério ratione legis ). É importante, portanto, acompanharmos R ossetto quan- do afirma que o fato de o crime ser militar define a competência da Justiça Militar, que não julga o militar, e sim o crime quando militar. 5 Em relação à tipicidade (conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal incriminadora), 6 o art. 9º, inciso II, passa a figurar, portanto, como espécie da chamada norma de adequação típica mediata ou indireta , 7 que demanda critérios para sua identificação: ratione materiae (qualidade militar do ato analisado), ratione personae (caráter militar do agente), ratione loci (qualidade do local onde a conduta é desenvolvida), ra- tione temporis (momento da realização da conduta) e propter officium (em razão da função). 3. AS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS DO ATUAL CONCEITO DE CRIMES MILITARES A alteração legal, com expansão da competência penal militar para toda a legislação penal, acarreta uma série de consequências para a investigação, processo e julgamento dos crimes militares, tanto dos fatos praticados a partir de 16 de outubro de 2017, bem como daquelas demandas já em curso. 4 5 ROSSETTO, Enio Luiz. Código Penal Militar comentado . 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 74. 6 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Curso de direito penal: parte geral . Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 189. 7 A alteração legislativa traz um sério e despercebido problema: algumas condutas, mesmo com previsão expressa e direta no Código Penal Militar, só ganham a natureza de militar quando submetidas ao juízo de adequação típica mediata pelo art. 9º, inc. II, do CPM. Neste particular, a título de exemplo, “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, atu- almente, encontra adequação típica no art. 129 do CP e no art. 209 do CPM. Para qualquer dessas hipóteses, há necessida- de da leitura típica a partir do art. 9º, II, CPM. Só haverá crime militar caso haja afetação de algum interesse militar e, assim, haveria uma duplicidade de normas disponíveis na legislação para cuidar das lesões corporais dolosas , não sendo possível falar – posto inexistente – numa norma de adequação típica mediata seletiva , que escolha entre duas ou mais normas com idêntico conteúdo, qual deverá reger a questão. Entre duas normas penais em foco, como apontado por T oledo , existe uma certa relação de hierarquia, de modo que a aplicação de uma esgota a punição do fato, excluindo a aplicação cumulativa da outra ( concurso aparente de normas ). Note-se que não é possível falar em relação de “especialidade” no presente caso, pois a lex specialis deve conter todos os elementos da norma geral e mais o elemento especializador. A norma especial contém um plus , que o distingue da norma geral (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal . 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 50-51). No caso dos antigos crimes militares impróprios , o “elemento especializante” era concedido pela aplicação da redação restrita do art. 9º, inc. II, CPM, que concedia a natureza militar ao tipo penal previsto exclusivamente no Código Penal Militar. Neste particular, N eves e S treifinger afirmam que os “crimes previstos na Parte Especial do Código Penal Militar carecem, para sua perfeita tipificação, de complementação da Parte Geral” (NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar . 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 132). Com efeito, os arts. 9.º e 10 são indispensáveis normas de extensão para a tipicidade do crime militar. O operador do direito harmoniza os requisitos dos arts. 9.º e 10 com os crimes previstos na Parte Especial.

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