Revista da EMERJ - V. 20 - N. 2 - Maio/Agosto - 2018
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p.147-173, Maio/Agosto. 2018 161 O ônus é unilateral e pode o juiz agir de duas diferentes for- mas: a) ou mantém a regra legal de ônus de prova, que impõe ao autor o encargo de provar o fato constitutivo do seu direito (art. 373, I, CPC) – sendo que, feita a prova pelo autor, só resta ao réu a pos- sibilidade de contraprova; b) ou, percebendo que o adversário (réu) tem melhores condições de atender ao encargo probatório, inverte o ônus da prova (na fase de saneamento ou instrução) – distribuindo dinamicamente o ônus da prova, como será visto em item a seguir –, para que ele (réu) prove o contrário, ainda que de forma indireta, com a demonstração do fato positivo (e novo) por ele aduzido. Imagine-se que o autor afirmou que o réu conduzia seu veículo em alta velocidade na Avenida Anita Garibaldi, na manhã do dia 02 de junho de 2007, e o atropelou (fato positivo constitutivo do seu di- reito). O réu, em sua defesa, assevera que não estava na condução do seu carro no dia e na hora apontados (fato negativo), pois já o tinha transferido, nesta data, a terceiro (fato positivo correlato) 34 . Aplica-se, como dito, a regra geral (art. 373, I, CPC), cabendo ao autor provar o fato constitutivo do seu direito – o que não exclui a possibilidade de o juiz distribuir dinamicamente o ônus da prova, por considerar que a outra parte tem melhores condições de provar o contrário. 5. Distribuição convencional do ônus da prova O § 3º do art. 373 do CPC permite que as próprias partes distri- buam o ônus da prova mediante convenção 35 , que pode ser firmada antes ou mesmo no curso do processo (art. 373, § 4º). Tem-se aí típico negócio jurídico processual . A convenção pode recair sobre o ônus da prova de qualquer fato. Pode tratar-se de fato simples ou de fato jurídico; fato relativo a negócio jurídico ou a vínculo extracontratual; fato lícito ou ilícito etc. Não há razão para restringir essa convenção a fatos do próprio negócio em que a convenção porventura esteja inserida. 34 Para Leo Rosenberg, a prova de não fato não é tão difícil quanto se afirma em nossa doutrina. Basta se comprovar a ocorrência ou não das circunstâncias que falam em favor do fato positivo correlato: “Pero se em algún caso la compro- bación de la no existencia de um hecho resultara especialmente difícil, y, en cambio, muy fácil la comprobación de su existência, el tribunal podrá y deberá tomar la circunstancia de que el adversario no suministra la prueba de la inexistencia y ni siquiera trata de suministrarla, como motivo para declarar lê inexistência del hecho gracias a su libre apreciación de la prueba”. Mas em nenhum caso, conclui, a dificuldade de fornecer a prova pode levar a uma modificação das regras de ônus de prova, conclusão com a qual não se concorda, como se verá adiante. (La carga de la prueba. 2 ed. Buenos Aires: Julio César Faria Editor, 2002, p. 378). 35 Sobre o tema, conferir o excelente trabalho de Robson Renault Godinho: GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz