R. EMERJ, Riode Janeiro, v. 17, n. 64, p. 49 - 66, Jan. - abr. 2014
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compiladas, fixadas em
tabulae
e publicadas
21
. Essa publicação faz parte
da lógicadaalteraçãodocalendário, eRüpkeé taxativoaodemonstrarque
tais inovaçõesnãopodem ser vistasnemcomo laicização, tampoucocomo
secularizaçãodosprocedimentos legais romanos, esimcomouma
raciona-
lização instrumental
da religiãoe, consequentemente, da lei romana.
Adocumentaçãoque chegou aténós indicaum aumento significa-
tivo de casos judiciais após a reforma pontifical, levando à necessidade
de ampliaçãodo colégiopontifical, oque foi feito com a
lexOlgunia
, que
ampliouonúmerodepontífices, afimdepermitir, digamos, ‘desafogar’ a
grandequantidadedeprocessosdequeháevidênciasno iníciodo século
III a.C. Voltemos, então, a um tópico que delineei há pouco: as pessoas
que lidavam com processos judiciais entre cidadãos romanos, diríamos
com o direito civil, eram asmesmas pessoas que cuidavam das relações
entre cidadãos e seus deuses. Asmesmas pessoas, então, lidavam como
ius ciuile
e como
ius sacrum
–e, consequentemente, como
iuspublicum
.
Foi apenas no século I a.C. que surgiu um novo tipo de
expert
jurídico,
ou seja, umapessoaquenãonecessariamente faziapartedo colégiodos
pontífices oudo colégiodos áugures (lembro, contudo, que faziamparte
de outros
collegia
, ou se tornaram pontífices ou áugures, como é o caso
do áugure Cícero). Mas esses juristas não eram
profissionais
, como hoje
emdia. Erammembros da elite romanaque atuavam como sacerdotes e
magistrados, bem como atuavam como advogados e forneciam aconse-
lhamento jurídico, coletando e compilando suas opiniões. Alguns deles
se tornaram
experts
em
ius sacrum
e em
ius ciuile
, e podemos dizer que
foram os responsáveis pela racionalização da lei romana, ao passo que
eram, igualmente, osguardiãesde suasbases religiosas.A lei civil romana
é relativamentebemdocumentadana compilaçãode Justiniano, do sécu-
loVI d.C.,masnãohánenhuma compilaçãododireito sagrado, enosúlti-
mos dois séculos houve várias tentativas de reconstituição do direito sa-
grado romano, semque se possa ter qualquer segurança em relação aos
seus resultados. No casododireito civil, contudo, épossível acompanhar
ascompilaçõesdas
responsa
dos juristas, quepermitiramacriaçãodeum
corpus
da lei civil,mas issonãoocorreuem relaçãoao
ius sacrum.
Observemos, agora, um desses
experts
, o áugureMarco Túlio Cí-
cero. Cícero teve uma vasta produção escrita e a própria diversidade de
opiniões emitidas sobre ele e sobre sua produção é imensa. É um vasto
21Cf.BELTRÃO,Claudia. "Religião, EscritaeSistematização:Reflexõesem tornodos
AnnalesMaximi"
.
Tempo
,Revis-
tadeHistóriadaUFF, v. 19, n. 35, 2013, disponível em:
/.