Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
97 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS É por isso que se fala em dano extrapatrimonial “por desvio de capaci- dade produtiva”, dano extrapatrimonial “por abalo estético”, dano “existen- cial”, dentre outras inúmeras categorizações não taxativas. Todas essas espécies de danos extrapatrimoniais não são decorrentes do tamanho do sofrimento da ví- tima – algo que leva ao decisionismo. Elas retratam a força normativa ou o significado jurídico que a contrariedade ao direito representa para determina- da cultura na perspectiva axiológica atualmente implicada pela Constituição 6 . Em decorrência, elas levam em conta circunstâncias objetivas do caso con- creto para a precificação da indenização, que pode variar quantitativamente. 2.1 A imbricação entre ilícito e dano extrapatrimonial (com- promisso da repartição social pelos riscos do mercado de consumo) A questão não é novidade nas ciências criminais 7 . É notório que um acidente de trânsito é analisado por um juízo mo- nocrático. Entretanto, a jurisprudência é tendente a considerar que um con- dutor de veículo transcendeu a culpa consciente e avançou para o dolo eventu- al , na hipótese de haver infração de diversas regras jurídicas para além do evento consumativo contra uma pessoa. Embora o resultado da tragédia seja somente um – o atropelamento ou a colisão de um veículo e o evento morte da pessoa –, os práticos consideram a contumaz violação do direi- to (ilícito) como algo que modifica a categorização do delito. A diferença entre os ilícitos é “de grau”, mas acaba levando o sujeito ao julgamento por um júri popular 8 . tenha distorcido os fatos, nem tecido comentários a respeito do assalto ocorrido, no qual o autor Paulo, policial à paisana, acabou atirando e matando um dos assaltantes, divulgou dados pessoais do apelado, violando a privacidade deste, expondo-o a um risco desnecessário, mormente porque um dos assaltantes logrou fugir do local dos fatos, resta caracterizado o abuso do direito de informação por parte da empresa jornalística e, por conseguinte, a obrigação de indenizar.” (TJRS, Apelação Cível nº 70021761473, Décima Câmara Cível, relator desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, DJ 24/04/2008). 6 As estruturas jurídicas do direito privado retratam os valores culturais da sociedade contemporânea – o individualismo e o patrimonialismo de outrora cedem espaços à dignidade do ser humano, o autêntico centro epistêmico do direito pós-moderno (HIRONAKA, 2002, p. 221). 7 Não se defende a unidade metodológica entre direito privado e direito criminal – porém chama a atenção sobre a valoração das circunstâncias “internas” a um indivíduo. O juiz não consegue adentrar metafisicamente na cabeça de um sujeito e dizer se ele agiu com culpa ou com dolo, assim como não consegue quantificar o sofrimento de uma pessoa. Em contrapartida, a cultura e seu reflexo no ordenamento jurídico permitem justificar hermeneuticamente o “grau” de contrariedade ao direito. 8 Conforme respeitável doutrina, se um sujeito ingeriu bebida alcoólica e saiu dirigindo, já praticou o delito
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