Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
92 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS 2 Novas necessidades da sociedade do consu- mo e a tutela do direito O século XX apresenta uma rotação epistêmica do direito privado, que pode ser resumida, muito cautelosamente, com base em três premissas: (a) a institucional, (b) a dogmática e (c) a operativa. O pós-guerra firmou o estado social, atualmente, alavancado para o Estado Constitucional. Em termos de teoria do direito e de metodologia jurídica, houve a consagração dos direitos humanos enquanto direitos fun- damentais nas cartas legislativas do ocidente. Logo o direito privado não estava mais no centro do raciocínio jurídico, pois o ordenamento já não se tratava mais de um sistema “fechado” de dispositivos sujeitos e um arquéti- po estritamente codificado, jusestatalista e pré-determinado pela exegese de textos. Conforme Zagrebelsky (2009, p. 13-17), o Direito, como um todo, assumiu a realidade sobre a fragmentação das fontes e a decorrente elabora- ção de um “projeto jurídico”, por intermédio do qual as normas são abertas, preveem conceitos indeterminados, dependem de uma interpretação lógi- co-argumentativa e uma abordagem hermenêutica para, finalmente, fazer coexistir princípios e ideologias com fundamento na dignidade da pessoa humana e no pluralismo. A premissa institucional – que reflete o Estado Constitucional e o modelo de supremacia de Direito por ele estabelecido – resulta no que a dogmática denomina “direito privado solidário” (MARQUES, 2014, p. 26). O paradigma individualista e voluntarista vai cedendo espaços para a fun- cionalização dos institutos, ou seja, o direito privado assume um compro- misso social, para além da mera defesa da liberdade e da igualdade formal. “Construir uma sociedade livre, justa e solidária” é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º, I, da CF). A premissa dogmática poderia ser apresentada antes da institucional, porque reflete um verdadeiro “estado de coisas jurídico”em termos de direito – outrora, dividido rigidamente entre direito privado e direito público . A Constitui- ção estabelece seus objetivos e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. O Código Civil de 2002 (REALE, 2002, p. 09), por sua feita, firma- se na eticidade, na socialidade e na operabilidade. Quer dizer, o princípio da
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