Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
91 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS Cueva, DJ 18/11/2014), o evento em julgamento era análogo – a exis- tência de um corpo estranho no interior de uma embalagem de bebida que estava lacrada e não teria sido ingerida pelo consumidor –, tendo sido proferida a decisão pelo indeferimento da condenação por danos extrapatrimoniais. Citando vasta jurisprudência do STJ, o acórdão consignou que “a em- balagem de refrigerante vendida ao consumidor com uma mosca em seu interior estava lacrada, com a tampa inviolável, não tendo sido sequer aberta pelo autor, consoante demonstrado pela perícia, que afastou a possibilidade de ingestão do produto em questão”. A racionalidade do entendimento é a mesma anteriormente comentada, na medida em que é adotada uma pos- tura “subjetivista” na apreciação do fenômeno. Na prática, o Superior Tribunal de Justiça estava quase equiparando o dano material ao dano extrapatrimonial. Afinal de contas, subentendia que a responsabilização civil somente deveria ter provimento quando o sujeito ingerisse algo que efetivamente causasse malefícios à saúde. Ocorre que a legislação de ordem pública que tutela o consumidor não se reporta somente a uma pessoa – àquele que comprou o refrigerante com um objeto impróprio dentro da embalagem. Pelo contrário, o sistema de tutela do consumidor em uma sociedade de massas explicita políticas públicas e normas de segurança que tendem a proteger “toda a sociedade” contra possíveis inseguranças na entrega dos serviços ou produtos. A com- pra de um produto por apenas um consumidor assume uma condição de representatividade social, tendo em vista o caráter repetitivo dos players e a larga escala das produções industriais ou comerciais que ficam difusamente em contato randômico. Na perspectiva do dogmatismo que antigamente era adotado pelo STJ, os exemplos da criança que fugiu da creche e da paciente que comprou o remédio riscado teriam suas pretensões negadas. A concepção clássica reputa danoso um acontecimento quando ocorre um efetivo prejuízo a uma subjetividade – note-se que esse subjetivismo não está apenas no objeto em análise, mas na cabeça do julgador, o que parece bastante discricionário em virtude da força cogente das normas referentes às relações de consumo.
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