Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

90 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS os sujeitos (sujeito-sujeito), na medida em que o objeto possui a sua “ver- dade intrínseca”. Possível falar em ontologização do objeto da observação, tendo em vista que alguma conclusão sobre os eventos ocorre por inter- médio da abordagem hermenêutica e argumentativa desenvolvida entre os debatedores. Se o legislador positivou a proibição da violação desarrazoada da se- gurança dos serviços e produtos em consumo, fica apequenada a discrição judiciária para dizer o que é dissabor ou o que configura um dano . Na medida em que um julgador refere que a contrariedade às normas de ordem públi- ca configura “mero dissabor”, a metodologia jurídica assume uma postura dogmática (HESSEN, 2003, p. 20) 1 , por intermédio da qual o sujeito se apropria do objeto. Com efeito, a figura do ilícito já abarca a noção do dano – que pode ser reputado um dano conglobante, na medida em que causar um dano pressupõe o cometimento de um ilícito ( neminem laedere ); em Direito do Consumidor, portanto, um ilícito caracteriza o dano que deve ser indenizado levando em conta a razoabilidade, ou não, da violação do padrão de segurança. Quando se fala em “mero dissabor” ou em “prova do dano extrapa- trimonial”, na perspectiva sistemática do ordenamento jurídico, a análise é sobre a razoabilidade ou falta de razoabilidade no descumprimento das normas que tutelam a segurança do consumidor. O dano extrapatrimonial não pode ser aferido por uma apreciação meramente subjetivista, suposta- mente julgando a pessoa, julgando o que se entende pelo “sofrimento que alguém enfrentou”, ao invés de julgar o fato jurídico viciado na perspectiva da segurança do produto e do serviço (a verdadeira missão do Judiciário). Julgar o sofrimento de uma pessoa é manobra que somente pode ser efe- tuada por alguma entidade divina. Quer dizer, a conclusão pelo dano moral deve estar pautada em critérios – sendo que eles são objetivos . Em julgado mais recente, na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.395.647/SC (relator ministro Ricardo Villas Bôas 1 Em teoria do conhecimento, “dogmatismo” significa que o sujeito “apreende o objeto”, ou seja, a consciência cognoscente tem vasto espaço de jogo para lidar com o evento em julgamento. Um ponto de vista sustentado por ampla confiança na razão humana, mas que não deixa de mitigar a própria dignidade de uma legislação que estabelece um sistema protetivo em benefício do consumidor (HESSEN, 2003, p. 20).

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