Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
89 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS uma “prova” do dano real à pessoa – pelos exemplos, a criança deveria se machucar ou a paciente deveria ingerir o comprimido e ter complicações para, somente após esses eventos, resultar na responsabilidade civil pelo fato do serviço ou do produto? As linhas que seguem trazem a evolução da jurisprudência do Supe- rior Tribunal de Justiça em termos de responsabilidade pelo fato do produ- to e do serviço, que enseja a responsabilização por dano extrapatrimonial. O STJ mantinha entendimento bastante rígido para reputar presente o dever de indenizar, aparentemente conjugando a figura do dano à “prova do dano” – tratando-se de dano extrapatrimonial. 1.2 O entendimento pretérito do Superior Tribunal de Justiça A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 747.396/ DF (relator ministro Fernando Gonçalves, DJe 22/03/2010), entendeu que a aquisição de um refrigerante, dentro do qual havia um inseto, não configu- ra o dever de indenizar por dano extrapatrimonial – na medida em que não houve o consumo do líquido contido no invólucro. O acórdão pontuou que “o dano moral não é pertinente, porquanto a descrição dos fatos para justi- ficar o pedido, a simples aquisição de refrigerante contendo inseto, sem que seu conteúdo tenha sido ingerido, encontra-se no âmbito dos dissabores da sociedade de consumo, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade”. Na teoria do conhecimento “defrontam-se consciência e objeto, su- jeito e objeto. O conhecimento aparece como uma relação entre esses dois elementos. Nessa relação, sujeito e objeto permanecem eternamente sepa- rados. O dualismo do sujeito e do objeto pertence à essência do conheci- mento” (HESSEN, 2003, p. 20). Respeitosamente, o acórdão proferido há mais de uma década se valeu dessa espécie de dogmatismo – a “apreensão do objeto pela consciência do sujeito”. A noção de direito (sem falar em justiça) passa a ser o que está na cabeça do juiz , deixando em um segundo plano os indicativos culturais médios de uma comunidade sofrida e pobre, como a brasileira. A virada hermenêutica recondiciona esses fatores, confrontando os discursos entre
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz