Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

70 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 48-81, 2º sem. 2022 ARTIGOS analisados foi coerente com o sancionamento esperado para as práticas dis- cursivas proferidas em função do desrespeito à diversidade. Após essas considerações metodológicas, passa-se, a seguir, ao estudo específico de cada um dos casos escolhidos. 3.1 O Internauta e o Racismo na Plataforma Facebook : “Mos- tra que embaixo dessa pele negra tem cérebro e não um es- tômago faminto” Durante a transmissão ao vivo de ritual de recepção de calouros de comunidades indígenas e quilombolas no dia 15 de maio de 2018 pela pla- taforma Facebook da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), in- ternauta se manifesta de forma discriminatória ao escrever: “ Povo besta se fa- zendo de coitado. Levanta a cabeça e estuda.Mostra que embaixo dessa pele negra tem cérebro e não um estômago faminto ”. Em virtude das alegações, no dia 29 de outubro de 2018, foi movida denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), através do processo 0004360-14.2018.4.01.3902, contra o acusado. A defesa, a seu turno, alegou consistir: a) atipicidade da conduta, uma vez se tratar de manifestação acobertada pela liberdade de expressão , garan- tia que goza de primazia constitucional; b) tratar-se de mera opinião, não configurando o tipo penal de racismo, sequer tendo a motivação de obstar a participação efetiva do grupo social alvo do discurso; e c) objetivou apenas criticar o sistema de cotas sociais vigente. Ainda em primeira instância, em abril de 2021, o juiz federal titular Clécio Alves de Araújo decidiu que: a) a mensagem transparece, de ma- neira preconceituosa, a discriminação étnico-racial, ao fazer-se uso das ex- pressões “bestas” e “se fazem de coitado”, atrelando-se, ainda, ao termo “pele negra”, sendo a liberdade de expressão um direito não absoluto, sobretudo ao violar-se outros direitos que possuam igual envergadura constitucional; b) a discriminação possui forma livre, abrangendo qualquer ato que enseje o preconceito, ainda que não tenha sido praticado com a intenção de impedir ou bloquear a participação igualitária; e c) o fato de ser contrário ao sistema de cotas raciais não legitima o direito a proferir mensagens de natureza discriminatória e preconceituosa.

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