Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

59 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 48-81, 2º sem. 2022 ARTIGOS suportadas por certos e determinados indivíduos ou por uma coletividade de pessoas, que, ao verem suas existências serem questionadas, depreciadas, minimizadas e agredidas, fazem jus a uma tutela jurídica apta a inibir a difusão e a maximização desses comportamentos violadores. 2 Fronteiras da Liberdade de Expressão : a de- marcação do Discurso de Ódio no Direito para a promoção do respeito à Diversidade Humana O ódio, como um sentimento, acompanha a própria natureza da pes- soa humana na história de desenvolvimento da espécie, de modo a não ser uma novidade nas discussões da Filosofia, Psicanálise e até mesmo do Di- reito. Entretanto, a modernidade suscita novos contornos da figura do ódio, a exemplo de se tornar possível manipular o seu direcionamento 4 de forma especializada, sobretudo com a expansão do mundo digital e a insuficiên- cia de normas jurídicas que possam proteger de maneira tangível grupos socialmente estigmatizados. Isso porque há poucos critérios definidos que possam demarcar e identificar o ódio discursivamente na sociedade, dificul- tando, assim, que seja um instrumento contundente na promoção de defesa dos direitos fundamentais e da personalidade violados da pessoa humana vulnerada. Dessa forma, a demarcação conceitual do ódio juridicamente torna-se essencial, considerando a inconsistência de mecanismos para os aplicadores do Direito. 4 Isso, por sua vez, pôde ser percebido em fenômenos históricos da humanidade, como no período nazista, em que os grupos socialmente estigmatizados, considerados “inimigos do Estado”, eram os judeus, negros, homossexuais, entre outros. Por outro lado, na literatura de ficção distópica, cabe mencionar a obra “1984”, de George Orwell, cuja narrativa inclui o chamado “Dois Minutos de Ódio”, situação na qual aqueles que não cumprissem as determinações ideológicas impostas pelo Estado seriam considerados como “inimigos”. Assim, em um determinado momento do dia a população é direcionada pelo Grande Irmão para se voltar a uma tela, onde é exibido o rosto do inimigo nacional, em que é permitido utilizar todo e qualquer tipo de ofensa, de modo a alimentar o ódio que compõe a natureza humana. Destaca-se na obra o seguinte trecho: “O mais horrível dos Dois Minutos de Ódio não era o fato de a pessoa ser obrigada a desempenhar um papel, mas de ser impossível manter-se à margem. Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria. Mesmo assim, a raiva que as pessoas sentiam era uma emo- ção abstrata, sem direção, que podia ser transferida de um objeto para outro como a chama de um maçarico. [...] Em algumas ocasiões chegava a ser possível alterar o objeto do próprio ódio por meio de um ato voluntário. […]” (Cf. ORWELL, 2009, p. 27-28).

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