Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
40 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 15-47, 2º sem. 2022 ARTIGOS A problemática se revelou quando se analisou a possibilidade de in- cluir mulheres trans no contexto do homicídio qualificado pelo feminicídio, uma vez que nessa circunstância, o legislador não incluiu a palavra “gênero”, diversamente do que fez na Lei Maria da Penha. Diante dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, cons- tatou-se que, apesar de divergências, se revelou viável a hipótese de a mulher transexual figurar como sujeito passivo do feminicídio, o que res- ponde afirmativamente à pergunta proposta quando definido o objetivo geral da pesquisa. Para os poucos julgados contemporâneos sobre a temática, a identida- de de gênero de uma pessoa corresponde à maneira como ela se reconhece com relação ao seu gênero, podendo esse reconhecimento não guardar re- lação com seu sexo biológico ou sua orientação sexual. Nos casos em que a vítima, mesmo sendo do sexo masculino, tem sua identidade enraizada no gênero feminino, ostentando um registro oficial, poderá ser o sujeito passi- vo no crime de homicídio qualificado pelo feminicídio. Entretanto, uma discussão salutar foi pouco observada nos casos ana- lisados: o óbice advindo da analogia in malam partem . Quando a qualificadora do feminicídio ganhou seus contornos, tal fato ocorreu por uma luta das mulheres contra o patriarcado histórico que por longo período não as via como sujeitos de inúmeros direitos que foram con- quistados com o tempo. Cabe lembrar que, antes, a legítima defesa do ho- mem que matava a mulher adúltera era uma excludente de ilicitude prevista na própria lei. A dignidade sexual da mulher não a abrangia em sua plenitude como ser humano, e ela era vista como objeto pertencente ao seu “dono”. Percebe-se que a qualificadora do feminicídio foi trazida ao ordena- mento para proteger a mulher no sentido biológico, tanto que a pena do crime já qualificado é se o crime for cometido contra mulher gestante ou nos três meses após o parto, situação que não contempla a transexual femi- nina, o que já traz elementos para refutar a aplicação da qualificadora para mulheres trans. A luta pelos direitos das pessoas transexuais, além de ter iniciado em momento muito posterior, se revela destoante do tipo de preconceito que
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