Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
38 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 15-47, 2º sem. 2022 ARTIGOS quando há o assassinato de qualquer pessoa do sexo feminino, desde que o crime tenha sido cometido por razões de sua condição de gênero, sendo que o substantivo “mulher” abrange transexuais e travestis que se identifiquem como pertencentes ao sexo feminino (BITTENCOURT, 2017). Percebe- se que, para essa linha, basta que a vítima se reconheça como mulher, ainda que não haja qualquer mudança em seu registro civil. No Judiciário brasileiro, há casos pontuais reconhecendo a mulher transexual como possível vítima de feminicídio. O primeiro caso data de outubro de 2016, oportunidade em que o Ministério Público de São Paulo denunciou o ex-companheiro de uma transexual morta a facadas por ele em fevereiro daquele ano. A denúncia especificou que quando há alteração no registro civil de homem para mulher e quando há uma autodeterminação no campo psicológico, o homem passa a ser considerado, no mundo jurídi- co, como uma mulher. (ACAYABA; ARCOVERDE, 2019) No Distrito Federal, o Tribunal de Justiça, de forma pioneira, em agosto de 2019, manteve a decisão do juiz presidente do Tribunal do Júri de Taguatinga que admitiu denúncia do Ministério Público contra dois homens por tentativa de feminicídio contra uma mulher transgênero. O recurso apresentado pelos réus teve por objetivo decotar a referida qualificadora, sob o argumento de que a vítima não pertencia biologica- mente ao sexo feminino e, portanto, não deveria ser tipificado o crime na condição de feminicídio. Todavia, os desembargadores concluíram que havia indícios suficientes nos autos de que o homicídio foi motivado “por ódio à condição de transexual”, o que caracteriza menosprezo e discrimi- nação ao gênero feminino adotado pela vítima, que, inclusive, tinha proce- dido com alteração do registro civil. O ódio ao gênero se revelou quando os acusados agrediam fisicamente a vítima e diziam a ela que “era para virar homem”, o que caracteriza o menosprezo à condição de mulher. (DISTRI- TO FEDERAL, 2019). Diante do feito, o caso foi levado pela Defensoria Pública do DF, em 15 de dezembro de 2020, ao Superior Tribunal de Justiça, tendo ela postu- lado pela exclusão da qualificadora do feminicídio. Em decisão, o STJ as- sentou que cabe ao Tribunal do Júri o debate acerca da efetiva aplicação da
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