Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

37 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 15-47, 2º sem. 2022 ARTIGOS transexual, pois o ordenamento jurídico brasileiro não admite a analogia in malam partem . (CAPEZ, 2021). Para essa corrente, o feminicídio não deve incidir na hipótese de a víti- ma ser mulher transexual, visto que, sob os aspectos morfológicos, genéticos e endócrinos, a vítima continuaria a pertencer ao sexo masculino, mesmo tendo sido realizada a cirurgia de transgenitalização. A legislação, taxativa- mente, se refere a ‘mulher’, não a ‘gênero’, em situação diversa da observada na Lei Maria da Penha, que fala em gênero e, por isso, tem admitido essa extensão. (BARROS, 2015) A segunda corrente passou a defender que se o transexual tiver fei- to a cirurgia de mudança de sexo de forma definitiva e a retificação de seu registro civil, deve ter o tratamento dispensado de acordo com a sua nova característica física, vez que a psicológica já o colocava nessa posição. (DELMANTO, 2016). Verifica-se que tal posicionamento combina dois critérios: o biopsi- cológico, consistente na realização da mudança do sexo de origem para correlação ao sexo psicológico; e o jurídico, traduzindo-se como a alteração do gênero nos assentamentos civis. Flexibilizando essa concepção, alguns defensores sustentam que basta a alteração do registro civil, mesmo sem cirurgia, uma vez que a mulher de que trata a qualificadora é aquela assim reconhecida juridicamente. No caso de transexual que obteve formalmente o direito de ser reconhecida como mulher, não há como negar a incidência da lei penal, porque, para todos os demais efeitos, essa pessoa será considerada mulher. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4275, já decidiu que transexuais podem alterar o nome e o sexo no registro civil sem a submissão à cirurgia e sem necessidade de autorização judicial, em respeito ao Princípio da Dig- nidade da Pessoa Humana (CUNHA, 2019). Assim, a pessoa que portar um registro oficial (certidão de nascimento, documento de identidade) em que figure, expressamente, o seu sexo femini- no, poderá ser considerada sujeito passivo do feminicídio. (GRECO, 2016). Uma terceira corrente passou a defender que a mulher transexual deve ser considerada vítima de feminicídio, uma vez que a qualificadora incide

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