Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
31 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 15-47, 2º sem. 2022 ARTIGOS O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em divergência, firmou en- tendimento de que a abrangência da Lei Maria da Penha sobre mulheres trans decorre da liberdade de autodeterminação individual, considerando o nome social que adota a pessoa, a forma como ela se comporta, se veste e se identifica, sendo a alteração do registro de identidade ou a cirurgia de transgenitalização apenas opções disponíveis para que o indivíduo exerça de forma plena e sem constrangimentos essa liberdade de escolha. (DIS- TRITO FEDERAL, 2019). O referido tribunal, ainda, assentou que não há analogia in malam partem ao se considerar mulher a vítima transexual feminina, uma vez que o gênero é um construto primordialmente social e não apenas biológico. Identificando-se e sendo identificada como mulher, a vítima passa a carre- gar consigo estereótipos seculares de submissão e vulnerabilidade, os quais sobressaem no relacionamento com seu agressor e justificam a aplicação da Lei Maria da Penha. (DISTRITO FEDERAL, 2018). Recentemente, em 05 de abril de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento histórico, decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para proteger mulheres transexuais. Apesar de a decisão ser restrita ao caso levado a julgamento através do Recurso Especial 1977124/SP, já é considerada um relevante precedente para outros casos que versem sobre a temática no Judiciário. No caso em voga, a vítima foi agredida pelo pai, que chegou al- coolizado em casa e, por não aceitar a condição de transexual da filha, a agrediu. O Ministério Público do Estado de São Paulo requereu o afastamento do agressor do lar, mas, em primeira instância, a protetiva foi negada, sob o argumento de que a Lei Maria da Penha se aplica so- mente às mulheres no sentido biológico. O Tribunal de Justiça manteve a decisão. No STJ, o ministro Rogério Schietti destacou que a aplicação da Lei deve ser estendida às mulheres transgênero que se definem e se identifi- cam como mulheres, inclusive porque o crime foi praticado por um pai em uma relação de domínio e opressão ao comportamento da filha transgênero. (BRASIL, 2022).
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