Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

30 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 15-47, 2º sem. 2022 ARTIGOS Nesse viés, parte da doutrina e jurisprudência brasileira se posicio- nou no sentido de que a qualidade especial para aplicação da Lei Maria da Penha é ser mulher, situação que abarca lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, ou seja, pessoas que tenham identidade social com o sexo feminino, sob o argumento de que seria um contrassenso deixar à margem da proteção legal aquelas que se reconhecem como mulher. (DIAS, 2016). Em sentido diametralmente oposto, outra corrente doutrinária e ju- risprudencial partiu do entendimento de que o conceito “mulher” é usado na Constituição Federal, e nada justifica que ele seja interpretado, ao menos em matéria penal, como diferente do “sentido científico”. (SANTOS, 2021). Representando essa segunda corrente divergente, tem-se o julgado da Décima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do processo 1500028-93.2021.8.26.0312, que negou me- didas protetivas de urgências previstas na Lei Maria da Penha a uma mu- lher transexual. Conforme o Desembargador Relator Francisco Bruno, é indiscutível que a legislação garante a todos, homens e mulheres, o pleno exercício de suas liberdades sexuais, o que não dá ao transgênero masculi- no o direito de ser considerado mulher, devendo ser criada uma legislação específica para transexuais, pois a equiparação do interessado à mulher (e a esta está vinculado o pedido) ofende o princípio da tipicidade estrita e o da proibição da analogia in malam partem . (SANTOS, 2021). Um terceiro posicionamento doutrinário e jurisprudencial se firmou em meio a essa discussão, considerando como condição para aplicação da Lei Maria da Penha a exigência da cirurgia de transgenitalização (aspecto físico) e da alteração registral de prenome e estado sexual (aspecto social) para que a transexual feminina fosse considerada mulher sob o prisma jurí- dico. (SANTA CATARINA, 2009) Foi nesse viés que o Tribunal de Justiça do Pará reformou decisão de primeira instância que negou o pedido de acesso às medidas protetivas especificadas na Lei Maria da Penha a uma mulher transexual que havia sofrido violência doméstica por parte de seu ex-companheiro, sob o argu- mento de que não havia feito a cirurgia de mudança de sexo e nem havia mudança de seu registro civil. (PARÁ, 2017).

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