Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
250 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 242-266, 2º sem. 2022 ARTIGOS Art. 3º A violência doméstica e familiar contra a criança e o adoles- cente constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Não vamos muito longe. No cenário do caso da vida, Enzola mudou-se de uma casa para um apartamento aos onze anos de idade. Seu pai (sr. Paulo Deixa Disso) logo tornou-se síndico do condomínio, e Enzola, em sua visão mirim, achou que já era o dono do prédio. Subia bem alto no escorregador, a ponto de ficar quase da altura do muro que fazia divisa com o prédio e, para tanto, jogava areia nas roupas branquinhas da vizinha, a dona Cacilda Gargarejo. Cansada de ficar lavando mais de uma vez as suas roupas e cansada do pouco caso do genitor no tocante às suas reclamações, dona Cacilda resolveu tomar uma atitude mais drástica. Eis que se dirigiu pessoalmente à reunião de condomínio e, na frente de todos, “gargarejou”, isto é, xingou o menino de todos os nomes, aproveitando a presença da criança para agredi-la fisicamente em público. O pai do menino fez “cara de paisagem” e, por desejar não se indispor com os vizinhos, nenhuma atitude tomou, por longos anos. Se tais fatos narrados forem praticados após a vigência da Lei nº 14.344/22, ainda que seu pai nenhuma atitude tomasse, Enzola não ficaria ao desalento, sem uma resposta estatal. Poderá agora, ele mesmo, buscar o Direito Penal para fins de reparação pelo mal sofrido (quando possuía onze anos de idade), e sua pretensão não estará fulminada pela prescrição. Isso, é claro, desde que não tenha sido proposta a ação penal em tempos pretéritos. Outro aspecto interessante a ser mencionado por nós é o de que no caso acima narrado, em tempos anteriores à vigência da lei em comento, na hipótese de a vizinha Gargarejo ter se limitado à prática do crime de lesão corporal de natureza leve em desfavor da criança, a ação poderia tramitar sob o rito da Lei nº 9.099/95, sem qualquer óbice. A competência dos Jui- zados Especiais Criminais, entretanto, restaria afastada pela somatória de crimes caso a pena cominada ultrapassasse dois anos. Ilustrativamente, citamos a posição esboçada pela Corte Cidadã, à luz da legislação pretérita, em caso envolvendo violência doméstica, com apli- cação do instituto da suspensão condicional do processo, outrora revogado ante o descumprimento das condições propostas e aceitas. Confira o leitor.
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