Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

188 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 178-195, 2º sem. 2022 ARTIGOS niais, isto é, a uma tutela do “ter”. A partir do movimento de constitucio- nalização do direito privado, da edição do novo código e de diversos outros diplomas, o direito civil promoveu uma guinada à proteção do “ser”, no sentido de trazer a tutela de dignidade humana como objeto central das preocupações também das relações privadas. A ideia de um “patrimônio mínimo” coloca em estudo que o “ser” volta-se para o “ter” de maneira a possuí-lo para desenvolver uma vida próspera e digna. Essencialmente, a teoria do patrimônio mínimo busca preservar uma condição inviolável, inalienável de patrimônio, do qual a pessoa não pode ser privada para que tenha minimamente uma vida digna: O valor da “pessoa” abarca a possibilidade de se lhe garantir um patrimônio mínimo, a fim de que seja resguardada a dignidade em razão da qual os indivíduos merecem proteção e amparo. A tutela desses valores não preserva apenas a individualidade, como também se projeta para a coletividade (FACHIN, 2006, p. 114). Assim, a lei deve proteger essa condição patrimonial mínima. Por exemplo, o Código Civil, no artigo 548, proibe que uma pessoa doe todos os seus bens sem reservar parte para sua subsistência. Do mesmo modo, é certo que um credor, na lida de satisfazer o seu crédito, pode expropriar bens do devedor até certo ponto, pois chegará uma hora em que o patrimô- nio do devedor não mais poderá estar à disposição, sob pena de prejudicar a sua subsistência e vida digna. Preservar-se-á sempre patrimônio suficiente ao mínimo existencial. Maria Berenice Dias bem destaca que o conceito de bem de família visa a proteger a dignidade do devedor, com seu mínimo vital: Os novos valores a serem protegidos pelo bem de família podem ser resumidos na noção de mínimo vital, que visa a preservar as bases de dignidade do devedor para que possa recomeçar a vida, mantendo íntegra a sua personalidade. O princípio da dignidade humana leva o estado a garantir o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. A tendência é encontrar instrumentos hábeis que pre- servem o devedor e que, ao mesmo tempo, não frustrem a garantia do credor. (DIAS, 2016, p. 360).

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