Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
187 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 178-195, 2º sem. 2022 com a proteção de necessidades e de um mínimo existencial, em atendi- mento aos mandamentos constitucionais. Nesse sentido, Guilherme Cal- mon Gama: A interpretação deste dispositivo deve levar em conta sua ratio , que é a de garantir apenas o mínimo necessário à sobrevivência digna do executado. Dignidade, conforme supra definido, não significa luxo nem ostentação, que, quando presentes, devem excluir o devedor do âmbito da incidência da proteção constante da norma. (GAMA; MARÇAL, 2016, p. 245). Em uma análise sistemática da legislação, vê-se que o cobertor da im- penhorabilidade almeja sempre a proteção do mínimo existencial, e não de um padrão de vida. Por exemplo, o artigo 833, VIII, do Código de Pro- cesso Civil, fala em impenhorabilidade da “pequena” propriedade rural. A própria Lei 8.009/1990 segue a mesma esteira no artigo 2°, ao reconhecer a impenhorabilidade dos bens móveis “suntuosos”. O Código Civil de 2002, por sua vez, no parágrafo único do artigo 1.715, ao tratar do bem de família convencional e da possibilidade de penhora por força de dívida de IPTU ou de condomínio, resguarda quantia suficiente para o sustento familiar. O que é luxuoso, o que ostenta, não parece ser protegido pelo legislador. Hoje é amplamente reconhecido que houve uma guinada no direito civil brasileiro no sentido de se trazer a pessoa para o centro das preocu- pações das relações privadas. O patrimonialismo exacerbado que outrora orquestrava a nossa legislação civil passou a dar lugar a questões exis- tenciais, considerando-se a dignidade da pessoa humana como um fim das relações sociais. A despatrimonialização sofrida ao longo dos anos e consolidada no Código Civil atual, com respaldo constitucional, coloca o ser humano como a grande condição essencial do universo de normas e traz o bem como fruto de utilização da pessoa para que exista uma vida valorosa e com dignidade. Nesse caminhar, o professor Edson Fachin foi pioneiro na teoria que passou a ser conhecida como “patrimônio mínimo” (FACHIN, 2006, p. 114). É que a tutela do direito civil, em especial antes do Código Civil de 2002, voltava-se muito à proteção de questões primordialmente patrimo-
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