Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
179 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 178-195, 2º sem. 2022 INTRODUÇÃO O principal efeito prático do instituto do bem de família esculpido na Lei 8.009/90 é impedir que uma pessoa e sua família sejam privadas de sua moradia digna para satisfação de suas dívidas. Trata-se da regra da impe- nhorabilidade, que, em última análise, visa a proteger o direito à moradia previsto no artigo 6° da Constituição da República. Há uma espécie de análise de custo/sacrifício no sentido de que mais importante é a proteção da moradia digna do que a satisfação do crédito. Vale dizer que não busca a lei do bem de família proteger o imóvel em si, mas sim a moradia com- preendida como o local onde a família fincou seu asilo, seu porto seguro. A responsabilidade patrimonial de um devedor sempre recai sobre o seu patrimônio, e não sobre a sua pessoa. Foi-se o tempo primitivo em que uma pessoa respondia pelas suas obrigações com o seu corpo, como ocorria em civilizações da antiguidade em que havia regras de imposição de cas- tigos físicos, de trabalhos forçados, de hipoteca de crianças ou até mesmo de execução dos devedores. Em outras palavras, a responsabilidade deve ser patrimonial e, à luz de uma interpretação constitucional do direito, devem ser respeitados os aspectos existenciais. A proteção do bem de família vai justamente nesse sentido de proteger a família, a moradia e, como conse- quência, a dignidade. Em outro giro,merece ser dito que não é a regra da impenhorabilidade do bem de família absoluta. Ao revés, a própria Lei 8.009/90 traz algumas exceções em que, mesmo com relação ao bem servido de moradia ao de- vedor e à sua família, poderá ocorrer a penhora, como é o caso do deve- dor de pensão alimentícia ou do fiador em locações. Trata-se de hipóteses excepcionais em que o próprio legislador entendeu que, em uma balança, seria desproporcional a proteção da moradia do devedor em detrimento de outros direitos em choque. Sucede que o legislador foi omisso — ou não — em relação à pos- sibilidade da penhora do bem de família luxuoso, ou seja, imóveis de ele- vado valor e que se revestem de excessivo requinte, com conforto desne- cessário, exagerado, por vezes até chamativo e ostensivo. Isso tem gerado divergências na doutrina e na jurisprudência de nossos Tribunais. O as-
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