Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

169 ARTIGOS Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 164-177, 2º sem. 2022 muneração superior àquela prevista no contrato com Lumley. Mesmo com uma decisão judicial de abstenção, a cantora, mais uma vez, foi induzida a cantar por Gye, o qual foi demandado por Lumley. No voto que capitaneou a decisão da corte – o voto de Lord Campbell –, constou que o caso en- volveu delito econômico ( economic tort ), viabilizando que o lesado busque indenização contra terceiro que tenha interferido na execução contratual com outrem. Algumas indagações surgem em relação ao terceiro sabotador: pode ele ser responsabilizado? Se sim, qual é o regime aplicável? Antes de ingres- sar nas respostas a tais perguntas, é necessário um escorço preliminar e mais amplo: o da incolumidade da esfera jurídica. Marcos Bernardes de Mello (2019, p. 98-99) define a incolumidade da esfera jurídica como a norma-princípio segundo a qual a ninguém é viabilizada a interferência na esfera jurídica de alguém sem que haja per- missão por parte de quem a titulariza, ou do ordenamento jurídico. Karl Larenz (1978, p. 46-47) explica que a atribuição da esfera jurídica envolve o reconhecimento de que o titular é um centro de imputação jurídica, o que parte da norma da dignidade humana, eis que as posições jurídicas são ins- trumentos para a vida digna de quem as titulariza, e a injusta interferência em tal plêiade consiste, em última escala, na violação da própria dignidade. Conecta-se à norma-princípio da incolumidade da esfera jurídica a já citada distinção entre oponibilidade e relatividade. Novamente remetendo a Antonio Junqueira de Azevedo ( in AZEVEDO, 2004, p. 142) e Rober- ta Mauro Medina Maia (2013, p. 160-162), a oponibilidade stricto sensu consiste nos efeitos indiretos ou externos do ato, que irradia sua eficácia no sentido de reconhecer sua existência no meio social, enquanto a relatividade dos efeitos diz respeito aos chamados “efeitos diretos ou internos” do ato, que irradia sua eficácia específica e busca pelos envolvidos no ato. Aplicam- se tais premissas aos contratos pelo fato de que os seus efeitos específicos são circunscritos aos figurantes, enquanto os efeitos genéricos de respeito irradiam contra todos que sabem da existência daquela figura jurídica. Sobre a oponibilidade e relatividade, que ficaram sintetizadas na cha- mada “tutela externa do crédito”, na I Jornada de Direito Civil do Conselho

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