Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
161 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 146-163, 2º sem. 2022 ARTIGOS seriedade típica das solenidades que cercam o Estado, o que se coaduna com a biografia de Huizinga, que passou pela maior barbárie da história contemporânea ocidental: a ascensão e a queda do nacional-socialismo na Europa continental. Por isso sustenta-se que é necessário cautela: o Estado existe, o de- vido processo legal também, e ambos se afiguram como sustentáculos das civilizações humanas, especialmente a partir da Idade Moderna. A crítica é válida, mas não pode ser convertida em iconoclastia, com a devida vênia às posições em sentido contrário, válidas à luz dum arcabouço teórico que ne- gue a permanência do Estado como modelo de organização social humana. Sob ótica pessoal, a teoria de Huizinga, aplicada às relações entre Es- tado e indivíduo, em meu sentir, deve ser interpretada à luz do repertório teórico que circunda a manifestação do Estado Democrático de Direito a partir do final do século XX, considerando ser tal modelo póstumo ao ilus- tre historiador holandês. Esse novo modelo de Estado, segundo creio, enfim pacificou a con- trovérsia sobre a ingerência estatal na vida das pessoas (e de seus próprios agentes), ainda que a partir do século XXI tenha sofrido virulentos ataques de grupos que, crê-se, com ele não se encontram comprometidos, calcados em verdade no oportunismo e em falsas narrativas políticas que os apro- ximam do amplo conceito de fascismo propugnado pelo insigne filósofo italiano Umberto Eco (2018). Logo, aliando-se a premissa do Estado Democrático de Direito à teo- ria do Direito Penal Secundário de Jorge de Figueiredo Dias – que compõe repertório teórico característico do movimento intelectual do minimalismo penal (cf. DIAS, 1998) –, a teoria do jogo como elemento da cultura de Huizinga toma dimensões certeiras numa compreensão jusfilosófica sobre o papel do Estado e sua atividade de repressão a infrações funcionais come- tidas no seio de sua burocracia. Torna-se mister, pois, que se envidem maiores esforços na elaboração de mecanismos de controle e limites ao jus puniendi estatal, visto que se reputa como direito potestativo que, apenas sob a batuta do Direito Penal (primário e, neste particular, secundário), dispõe de lindes que se coadunam
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