Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

155 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 146-163, 2º sem. 2022 ARTIGOS Logo, é possível afirmar que a teoria de Huizinga foi bastante influen- ciada por sua própria vida, como sói ocorre com os grandes intelectuais. O arbítrio de um Estado governado por bárbaros trouxe à lume a teoria que notabilizou o historiador holandês como um expoente da História Cultu- ral: o jogo como elemento da cultura, na medida em que se constitui como a conduta mais primitiva e instintiva do ser humano, parâmetro para a maio- ria dos fenômenos culturais, desde o Direito até a religião. Interessante mencionar que, não obstante a veemente crítica de Hui- zinga à Psicanálise freudiana como repertório cultural nascente em seu período, sua teoria histórica curiosamente aproxima-se de tal saber, uma vez que aborda conduta enraizada no inconsciente humano 6 . Ainda assim, a compreensão de Huizinga acerca do jogo como elemento da cultura é própria e trouxe à sua obra renome, tanto em vida quanto, em especial, postumamente. Segundo a teoria histórica de Huizinga, o jogo pode ser considerado a irracionalidade que nos traz racionalidade: introjetado em nosso incons- ciente, é inafastável e caracteriza tanto a existência quanto a organização humana. Nesse sentido, pertinente escólio de sua lavra (HUIZINGA, 2019, pp. 4-5): Como a realidade do jogo ultrapassa a esfera da vida humana, é im- possível que tenha seu fundamento em qualquer elemento racional, pois nesse caso, limitar-se-ia à humanidade. A existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização, ou a qualquer concepção do universo. Todo ser pensante é capaz de entender à primeira vista que o jogo possui uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não possua um termo geral capaz de defini-lo. A exis- tência do jogo é inegável. É possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, a verdade, o bem, espírito, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo. Mas ao se reconhecer o jogo, se reconhece o espírito, pois o que quer que seja o jogo, ele não é algo material. Ultrapassa, mesmo no mundo animal, os limites 6 Afirma-se que as principais críticas de Huizinga à Psicanálise freudiana diziam respeito a supostas posições de tal saber que conflitavam com o cristianismo, por ele professado e que influenciara sua obra acadêmica calcada no medievalismo e na crítica à ideia enraizada no senso comum de que a Idade Média seria a “Idade das Trevas”.

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