Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

154 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 146-163, 2º sem. 2022 ARTIGOS Verifica-se, pois, que o Estado como ente abstrato marcado pela ins- titucionalização do exercício do poder político é cercado por regras, para que se manifeste a incidência de sua força coercitiva, o que dialoga sobre- maneira com a teoria histórica de Huizinga, na medida em que tais re- gras revelam, em sua mais primária estrutura, aquilo que simultaneamente aproxima e separa os seres humanos dos demais animais, o que civiliza ao mesmo tempo em que revela o mais profundo âmago dos homens: o jogo. Este, como elemento da cultura nos termos da principal teoria histórica desenvolvida por Huizinga, será o fio condutor da presente investigação. 3 O JOGO COMO FUNDAMENTO DO ESTADO E DO PODER DISCIPLINAR NOS LIMITES DO DIREITO PENAL SECUNDÁRIO Johan Huizinga, eminente historiador holandês, teve sua obra in- fluenciada por eventos de sua própria vida: iniciando-se no estudo da Lin- guística ao defender tese de doutorado sobre a Literatura Sânscrita, passa a nortear suas pesquisas em torno da História, ciência nascente na segunda metade do século XIX. Medievalista, redigiu festejada obra sobre a Baixa Idade Média, intitulada “O Outono da Idade Média: estudo sobre as for- mas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV” (1919), notabilizan- do-se no âmbito da História Cultural. Como contemporâneo da virada do século XIX para o século XX, vi- venciou a I Grande Guerra (1914-1918 EC) e a II Grande Guerra (1939- 1945 EC). Conflituoso com a cultura de sua época na Europa continental, em especial com a ascensão do marxismo, do nacional-socialismo e da Psi- canálise freudiana, rompeu relações com o amigo e historiador André Jolles, simpatizante do nazismo. Capturado pelos nazistas e preso pela Gestapo em 1942 após atrito com o professor nazista Johann von Leers 5 , faleceu semanas antes do término da II Grande Guerra. 5 O episódio ficou conhecido como “incidente von Leers”. Conta-se que Huizinga teria recusado hospitalidade aca- dêmica como reitor da Universidade de Leiden ao professor Johann von Leers, após ele ter publicado panfleto antisse- mita intitulado “A Exigência do Momento Presente: fora com os judeus!”, que apresentava lendas e informações falsas sobre o povo judeu como se verdades e fatos históricos fossem. Nada muito diferente dos lamentáveis incidentes tam- bém ocorridos a partir do término da segunda década do século XXI em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, ligados à pós-verdade e às fake news , o que apenas confirma a máxima de que a história da humanidade é cíclica.

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