Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
149 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 146-163, 2º sem. 2022 ARTIGOS legiferante, que não a simplesmente orçamentária, os funcionários públicos jungidos à função executiva tornaram-se, segundo sustentado neste estudo, mais sujeitos aos poderes hierárquico e disciplinar 4 . É nesse contexto que se insere a presente investigação. A teoria histórica desenvolvida por Johan Huizinga (1872-1945 EC), insigne historiador e linguista holandês, especialmente em sua obra de 1938 in- titulada “ Homo Ludens : o jogo como elemento da cultura” (cf. HUIZIN- GA, 2019), sustenta-se, é apta a conferir fundamento sócio-histórico à efetividade do princípio da supremacia do interesse público sobre o pri- vado, bem como à incidência dos poderes administrativos hierárquico e disciplinar nas relações funcionais travadas entre o ente estatal abstrato e sua burocracia. Logo, o tema da pesquisa que resultou no presente estudo envolve a relação entre a teoria histórica de Huizinga acerca do jogo como elemento da cultura e as regras inerentes à estrutura interna dos Estados nacionais de perfil ocidental, que aplicam em diversos graus os poderes administrativos hierárquico e disciplinar a seus funcionários públicos, especialmente diante da prática de infrações funcionais e crimes contra a administração pública (os últimos ensejadores tanto de responsabilidade administrativa quanto penal, diante da independência de instâncias que caracteriza o Direito Pe- nal Secundário no Brasil). Nesse sentido, enseja-se contribuir para o estudo do referido Direito Penal Secundário, cuja denominação oriunda do português lusitano não possui semântica idêntica àquela comum ao português brasileiro, que asso- cia “secundário” à ideia de algo subsidiário, de segunda ordem. Ao contrário, o Direito Penal secundário visa ao estudo de atos ilícitos que repercutem em bens jurídicos transindividuais caros à administração pública – o que, por consequência, amplia o espectro de influência do Direito Penal no mundo 4 No Brasil pós-Constituição de 1988, verifica-se tal fenômeno em decisões da Suprema Corte que evidenciam a não extensão da prerrogativa de independência funcional aos membros da Advocacia Pública, justamente sob o fundamento de seu suposto maior alinhamento qualificado ao Poder Executivo, resultando em parcialidade no seu agir administrativo (cf. STF, ADI nº 1246, Plenário, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11/4/2019), ensejando, por natural consequência interpretativa, em maior incidência dos poderes hierárquico e disciplinar do Estado sobre os funcionários públicos que integram a estrutura própria e direta do Poder Executivo, o que revela grave distorção na estrutura burocrática das funções estatais.
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