Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

148 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 146-163, 2º sem. 2022 ARTIGOS vidos? Ou algo mais singelo poderia ser considerado um divisor e, simul- taneamente, um elo entre os seres humanos em sua visível racionalidade e os demais animais? Além disso, em especial a partir da Baixa Idade Média, os seres hu- manos encontraram na formação dos Estados nacionais um ente abstrato que seria capaz de conjugar seus anseios por uma organização social mais desenvolvida, cercada por regras de convivência e, também, de instituciona- lização do exercício do poder político, que já se afigurava desde a formação das cidades-estado na Antiguidade Clássica, com destaque para as expe- riências grega e romana. Ora, a formação de Estados nacionais pressupôs o desenvolvimento de uma burocracia que pudesse elaborar as regras de convivência neces- sárias para a solução de controvérsias entre os seres humanos, bem como apreciar e julgar semelhantes controvérsias, além de fazer executar as leis criadas, especialmente a partir do nascente fenômeno do constitucionalis- mo, característico do crepúsculo da Idade Moderna. Nesse sentido, a teoria da divisão funcional do poder, proposta por Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689-1755 EC), trouxe novas luzes ao debate e ao processo civilizador ocidental, sem prejuízo das demais formas de organi- zação social exitosas noutras partes do mundo 2 . Os “Poderes” Executivo, Legislativo e Judiciário são compostos, pois, de funcionários públicos submetidos ao píncaro da supremacia do interesse público, típico da forma de atuação do Estado desde sua potencial origem na Baixa Idade Média 3 . Ao longo dos anos, em especial na realidade bra- sileira, com a concessão de maior independência às funções jurisdicional e 2 Nesse desiderato, não se olvida da existência doutras conformações sociais aptas à organização das relações interpessoais, existentes tanto no Oriente quanto em sociedades tribais ocidentais e orientais, haja vista que o estudo antropológico e etnológico contemporâneo já permitiu a crítica à perspectiva intelectual de outrora, arraigada em etnocentrismos que proporcionaram lamentáveis conclusões e ensejaram, inclusive, a ascensão do determinismo biológico na virada do século XIX para o século XX, que resultou no fundamento intelectual da barbárie nazifascista. Logo, este estudo alinha-se à ótica predominante do século XXI, que inclusive traz poderosa crítica ao conceito de “processo civilizador” – não rejeitando, contudo, a expressão, em apreço à sua importância na História das Ideias, especialmente no âmbito das Humanidades. 3 Considera-se para os fins deste estudo como marco temporal para a formação dos Estados nacionais no Ocidente a centralização do poder político ocorrida em Portugal após a Revolução de Avis (1383-1385 EC), seguida por desdobramentos semelhantes noutras regiões da Europa continental, resultando no absolutismo monárquico como conformação estatal predominante nos séculos seguintes.

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