Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

107 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS Na sequência, surge a tutela posterior à violação do direito, mas anterior à preocupação com o eventual dano” 11 . Na hipótese de um sujeito ter com- prado um veículo que apresentou vício de fabricação, o Ministério Público ou os órgãos de proteção do consumidor podem provocar a empresa para um “ recall ” ou para a retirada do automóvel do mercado. Agora, isso não afasta que as pessoas que compraram o carro e enfrentaram esse vício de fabricação postulem a indenização por dano extrapatrimonial pautado por uma ilicitude desarrazoada. Tudo está no plano pré-processual, no plano da tutela das normas de proteção ao consumidor, que convergem para cumprir as finalidades que o sistema jurídico encarrega aos fornecedores de produtos e serviços. A dogmática do processo civil, ainda que visualizando esse tipo de caso no plano pré-processual, não afasta a questão do dano conglobante em se tratando da teoria da qualidade de produtos e serviços – um dano extrapatrimonial caracterizado pelo ilícito culturalmente desarrazoado. O sistema jurídico protege o consumidor por intermédio de todos os remé- dios e técnicas previstas pelo ordenamento, sem, contudo, afastar o dever de indenizar nos casos assinalados 12 . Conclusão O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema legislado para cumprir a prestação constitucional imposta ao Estado. A teoria da qualidade de produtos e serviços se reporta expressamente à prevenção e reparação de danos, ou seja, consiste em um gênero do qual são espécies a responsabilidade pelo “vício” e pelo “fato” dos produtos e serviços. 11 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 2ª ed. São Paulo: 2016, p. 66. Adolfo di Majo pontua o mesmo raciocínio, no sentido de que um remédio processual não é excludente do outro. 12 A jurisprudência chega a conferir um prazo decadencial de 30 dias para a concessionária resolver o vício de um automóvel que tenha apresentado problemas (art. 18, § 1º, do CPC), sem afastar, contudo, a possibilidade da condenação do fornecedor ao pagamento do dano extrapatrimonial que se caracteriza pela ilicitude desarrazoada da própria conduta: “Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem afirmou de forma categórica a existência de ví- cio no produto, tendo sido o veículo encaminhado diversas vezes para conserto e não sanado o defeito no prazo de 30 (trinta) dias. Rever essa conclusão esbarra no óbice supramencionado. Configura dano moral, suscetível de indenização, quando o consumidor de veículo zero quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes para reparo de defeitos apresentados no veículo adquirido. O valor fixado a título de danos morais, quando razoável e proporcional, não enseja a possibilidade de revisão, no âmbito do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ” (REsp 1.632.762/AP, Terceira Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, DJ 14/03/2017).

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