Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022

104 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS Nessa medida, estabelecem-se como parâmetros para a constata- ção do dano moral indenizável que: (i) o corpo estranho presente no alimento seja distinto da substância ou constituição natural do alimento; e (ii) capaz – por prova bastante – de causar risco à saúde ou incolumidade física do consumidor caso ingerido, manuseado ou utilizado. Ressalta-se, portanto, que a ingestão do produto contaminado, em- bora constitua circunstância evidentemente agravante a influenciar nas dimensões do dano e, por conseguinte, de sua reparação, não pode servir como critério/requisito para a configuração do dano mo- ral, pois tal imposição contraria a garantia de segurança alimentar e vem de encontro ao ordenamento jurídico normativo, voltado para a dignidade da pessoa humana e amparo ao consumidor. Com esse norte hermenêutico, na hipótese ora em comento, a des- peito de não ter havido o efetivo consumo do produto, ficou plena- mente demonstrada a exposição do consumidor à efetiva e concreta lesão à sua saúde, consubstanciada na comprovação da existência de “(...) fungos filamentosos e esporos de fungos, insetos vivos e mortos e ácaros vivos e mortos” no produto alimentício adquirido. Os respeitáveis argumentos lançados pelo ministro devolvem à dis- cussão a perspectiva por intermédio da qual se valora o dano extrapatri- monial: (a) trata-se de aferir o sofrimento da pessoa, tentando adentrar na esfera metafísica do sujeito ou (b) parte-se da análise da categorização e aferição do “grau” do ilícito perpetrado. E se uma pessoa portadora de deficiência visual comprasse um pacote de arroz? Se uma pessoa portadora de deficiência mental adquirisse um refrigerante e não se importasse com uma pedra dentro da garrafa? É possível alegar que a “condição da pessoa” do caso concreto pode implicar na caracterização do dano. O problema é que um mesmo fenôme- no – nocivo, em termos de perspectiva cultural – será tratado de maneira diferente para uma classe de pessoas, ainda que o CDC seja aplicável em uma sociedade de consumo em massa. A moral do dano extrapatrimonial é o grau de intensidade da desconformi- dade ao direito que potencialmente causa risco à qualidade do produto ou serviço .

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