Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
100 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circuns- tância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto”. (HC 587.193/DF, Sexta Turma, relator ministro Sebastião Reis Júnior, DJ 18/08/2020) A dogmática criminal é repleta de exemplos, justamente porque tra- balha com fatos humanos que causam resultados juridicamente reprováveis. Ou seja, o magistrado não mergulha na consciência do sujeito para saber se ele foi “mais ou menos” criminoso, mas analisa a significação dos casos na perspectiva de um regime baseado na “ilicitude” 9 e na “culpabilidade” enquanto reprovação social. O mesmo raciocínio levou o Superior Tribunal de Justiça a modificar o entendimento, no tocante às espécies abarcadas pela teoria da qualidade de produtos e serviços . Anteriormente, havia uma cisão ortodoxa entre respon- sabilidade pelo defeito do produto ou serviço e responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Voltando aos exemplos da criança que fugiu da creche e do remédio que sequer foi retirado do invólucro, não haveria dano indenizável . Tudo ficaria restrito à verificação da individualidade do “con- sumidor que não consumiu o produto ou que não foi machucado pela falta de zelo da creche”. A maioria dos julgados certamente afirmaria que não “houve prova do dano”. A jurisprudência evoluiu na perspectiva da própria implementação da ciência, em termos de industrialização e comercialização de produtos e serviços. Portanto, atualmente, naquelas hipóteses elencadas, existe uma zona de penumbra entre a ocorrência, ou não, do dano extrapatrimonial. A tendência é que os julgados admitam a responsabilização do fornecedor quando o risco ou perigo identificado assuma um “grau de ilicitude” que transcende os limites do razoável para a cultura brasileira – ainda que a criança não tenha sofrido machucados físicos, ainda que a consumidora não tenha ingerido produto impróprio. 9 No direito privado, ocorre uma aproximação entre ilícito e dano injusto, que, pontualmente, denomina-se como “dano conglobante”. O fenômeno não retira a percepção analítica entre as espécies, tampouco afas- ta o caráter concreto do sujeito que é vítima – apenas salienta os padrões de conduta que o ordenamento jurídico reputa esperados, porque são reputados justos ou eticamente privilegiados. Em decorrência, a tipicidade do ato ilícito acaba refutada, permitindo uma leitura mais aberta em termos de responsabilização (FACHIN, 2010).
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