Direito em Movimento - Volume 20 - Número 2 - 2º semestre - 2022
98 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 2, p. 82-110, 2º sem. 2022 ARTIGOS O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu sobre a pronún- cia em situação análoga: “Caso em que o recorrente, sob o efeito de álcool e pilotando carro em alta velocidade, teria perdido o controle do veículo ao tentar vencer curva da estrada, vindo, com isso, a capotar diversas vezes e a causar a morte de um dos ocupantes do automotor por politraumas- tismo craniano. Somatório de elementos de prova que dão sustentação à tese acusatória de que o recorrente agiu com dolo eventual na produção do resultado, assumindo o risco de produzir a morte de alguém. Dúvida que, nesta fase do processo, resolve-se em prol da sociedade, devendo ser o acusado submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri” (Recurso em Senti- do Estrito nº 50010242020118210070, Terceira Câmara Criminal, relator desembargador Luciano Andre Losekann, DJ 23/06/2022). O julgador não se vale de intuicionismos ou concepções voluntarísti- cas para tentar entender o que se passava na cabeça do condutor do veículo. O julgado fala em “somatório de elementos de prova” que, em realidade, refletem as tantas violações a diversas normas jurídicas praticadas pelo con- dutor do veículo. O magistrado coteja o fenômeno que provocou o evento em relação à inteireza dos ilícitos cometidos – conforme o exemplo, a em- briaguez ao volante, a velocidade incompatível, dentre outros aspectos juri- dicamente reprováveis perante o ordenamento. Esses fatos são instrumen- tais a uma ressignificação “cultural” da diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual. A “moral” do dano extrapatrimonial atende ao mesmo raciocínio. O fun- damento da atual responsabilidade civil é a colocação do sujeito em risco (dispen- sando que seja um risco-proveito). Giselda Hironaka (2007, p. 56) dialoga com respeitável doutrina eu- ropeia para assinalar a cláusula geral do “ mise en danger ”, que consiste em colocar outrem em perigo de maneira qualificada : isso depende de uma ativida- de arriscada com potencial capacidade de incorrer em dano, considerando a probabilidade da ocorrência do dano com base empírica ou científica. doloso previsto no art. 306 do CTB. Havendo uma colisão com evento morte, seria difícil pensar que o dolo de perigo anteriormente praticado não subentende a probabilidade de um resultado que também deve ser doloso – do contrário, somente poderia resultar em crime culposo em decorrência de decisionismo que teoricamente intui aspectos internos do agente (NETO, 2013, p. 186/188).
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