Direito em Movimento - Volume 20 - Número 1 - 1º semestre - 2022
87 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 1, p. 70-93, 1º sem. 2022 ARTIGOS o amor à pátria para o seu projeto de poder. O “uso da figura de Bolívar permite que tal símbolo da nacionalidade venezuelana se transforme numa fonte de legitimidade e de autoridade de um ator político individual”, bem como colocou o governante numa posição de líder religioso. Porém, desde o início, Chávez já mostrava sua vocação ao autoritarismo nas pequenas aparições em público. Em outras palavras, já sinalizava o amadurecimento do seu projeto de longo prazo (VILLA, 2000, n.p.). Sob a justificativa do combate à corrupção, começou a combater a impressa, a “refundar” as instituições, a formular outra Constituição, a tirar a autonomia de órgãos como o Poder Judiciário e a dissolver o Con- gresso. Essas estratégias de implementação de um totalitarismo aconte- ceram aos poucos, de forma velada. Inicialmente, a legitimidade dessas ações foi respaldada por meio da doutrinação da população através do controle da imprensa. Foi disseminada a ideia de combate à antiga elite oligárquica que oprimia as classes menos favorecidas. Após, em busca do “bem comum”, foi feito “um laboratório político no qual a consulta po- pular ou democracia plebiscitária” era a regra. Ou seja, como as decisões eram submetidas à consulta popular, justificava-se, por esse motivo, a manutenção do seu caráter democrático e, dessa forma, a oposição se- ria um inimigo que não permitia o crescimento do regime democrático (VILLA, 2000, n.p.). Sob esse ponto de vista, Rousseau (2020) adverte que a consulta po- pular é um mecanismo válido, mas questiona: pelo simples fato de ser a voz do povo, pode consubstanciar legitimidade de decisões que contrariem o ordenamento jurídico vigente? Não. É por isso que o sistema liberal en- contra o seu fundamento na limitação do poder, sobretudo o poder que é exercido pelo povo. Apesar de soar paradoxal o poder ser do povo e, ao mesmo tempo, ser restringido visando ao bem do povo, é esse mecanismo de equilíbrio que garante a legitimidade estrutural do sistema democrático, visto que há uma linha tênue para sair de um sistema democrático, atingir a usurpação do poder e agir em benefício de uma classe determinada, de modo a subjugar direitos agregados constitucionalmente (ROUSSEAU, 2020).
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