Direito em Movimento - Volume 20 - Número 1 - 1º semestre - 2022
76 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 1, p. 70-93, 1º sem. 2022 ARTIGOS Em que pese as primeiras cartas constitucionais disporem no seu bojo princípios liberais e federativos, havia um abismo que separava a letra da lei das práticas políticas no Brasil. Rui Barbosa critica o establishment republi- cano por contemplar no seio as políticas dos governadores e a centralização de poder no Executivo federal, descambando em um processo de corrupção e degeneração do estado republicano brasileiro (CINTRA, 2016). No tempo contemporâneo, não é diferente. As tendências despóti- cas são intrínsecas ao poder político e, como aduz os pensadores como Montesquieu, Madison, Hamilton e, já no início do século XIX, Benja- min Constant, o poder ilimitado é o principal traço desses regimes. Por conseguinte, “a boa ordem política no registro liberal dependeria de um conjunto de mecanismos institucionais celebrados na fórmula freios e con- trapesos , cuja função seria precisamente limitar o poder, impedindo que ele se convertesse em tirania” e ferisse os direitos fundamentais, ou seja, não se trata de desvendar a origem do poder, mas a forma na qual ele é exercido (CINTRA, 2016, n.p.). Em contrapartida, Rousseau, no seu livro Contrato Social , registra a dificuldade da comunidade política do povo em se reunir em assembleia para discorrer sobre todas as questões comuns, por isso, coloca uma figura externa em prol desse propósito: o governo. Todavia, o governo não pode ser confundido com os seus governantes, haja vista que esses últimos de- sempenham poderes dados pelo soberano e limitados por ele. Os represen- tantes são, antes de mais nada, representantes do povo. Dessa maneira, se o povo não ratifica uma lei, ela é nula de pleno direito (ARAÚJO, 2000). Observa-se que a tradição republicana de maneira geral compreende de um lado a comunidade política e, de outro, o governo. O problema está quando o governo, cuja titularidade é externa, tenta assumir o controle e usurpar o papel atribuído ao soberano (ARAÚJO, 2000), que no sistema democrático atual é exercido pelo povo. Porém, conforme Massini Correas (2016), no que diz respeito à li- berdade dos cidadãos – um dos principais fundamentos republicanos –, Rousseau condiciona à vontade geral dos integrantes do Estado, ou seja, à lei da maioria . Isso é um artifício perigoso para desconfigurar o próprio
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