Direito em Movimento - Volume 20 - Número 1 - 1º semestre - 2022

74 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 1, p. 70-93, 1º sem. 2022 ARTIGOS um modelo político reducionista, visto que faltava a menção “da família, da soberania e daquilo que é comum numa República”. Nessa entoação, Bodin enfatiza a necessidade de um reto governo, pautado em regras ético-políticas, bem como na vontade uníssona orien- tada por um poder soberano. Segundo o autor, “dessa forma não teremos em conta, para definirmos a República, esta palavra ‘felizmente’; antes er- gueremos mais alto a nossa mira para tocar o reto governo, ou pelo menos aproximar-nos dele”. Diante disso, analogicamente, se o médico administra bem os seus pacientes, e o piloto o seu navio, não podem ser censurados pela governança que desempenharam (BODIN, 2011, p. 74). Noutro vértice, a arcaica dicotomia entre monarquia e república – na qual a primeira se associava ao regime de aristocracia (o poder dos me- lhores, que são poucos) e a segunda ao de democracia (o poder do povo, que são muitos) – já não impera atualmente. Partindo das mudanças que emergem “nas estruturas do poder e nas relações entre os vários órgãos do Estado”, as monarquias se constitucionalizaram – aderiram a um viés de- mocrático – e deixaram de ser um governo de um só, na medida em que a república, governo de um corpo coletivo, ficou imprecisa. Por isso a neces- sidade da aferição etimológica do conceito de república (LAFER, 1989). Sob uma perspectiva inicial, a origem etimológica da palavra “repúbli- ca” remete ao significado de res publica , que do latim traduz-se: bem público, coisa pública ou coisa comum. Nesse diapasão, Cícero foi o responsável por diferenciar aquilo que era público do privado, doméstico ou familiar, atri- buindo ao bem público o atributo de ser o bem do povo, isto é, compondo uma reunião de pessoas que se voltam em prol de um bem comum ou do direito de todos (LAFER, 1989). Em adendo, na antiguidade grega, a composição do corpo cívico se dava por meio do governo da pólis no espaço público, comum. Nesse sentido, a esfera do público era construída pela liberdade política de participação de todos os cidadãos, e as decisões comuns caberiam a toda comunidade ali reu- nida. Mesmo com a exclusão das mulheres, crianças, escravos e estrangeiros, “na Grécia antiga a política era assunto de todos os cidadãos” (SILVA, 2014, p. 2) e, portanto, havia o início da estrutura republicana ali representada.

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