Direito em Movimento - Volume 20 - Número 1 - 1º semestre - 2022
22 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 1, p. 15-40, 1º sem. 2022 ARTIGOS básica de Heidegger acerca da vida em sociedade é que ela é regida por uma noção obscura de convivência, em que não há sujeitos e sim domina o império do impessoal, de uma sociabilidade truncada, em que nem o eu nem o nós se distinguem. Este impessoal é ele mesmo sem rosto, uma espécie de ninguém que comanda a vida individual e não pode ser identificado com este ou aquele ser humano. (WER- LE, 2003, p. 103). Ademais, a mobilidade estrutural originária induz o ser-aí para a di- nâmica da absorção nesse denominado mundo fático sedimentado, o qual internaliza, de saída e na maioria das vezes, uma notável desconexão do ser-aí humano, em relação àquela responsabilidade de assumir seu caráter mais efetivo de poder-ser e as possibilidades que se é a cada instante. Justamente porquanto nos encontramos decaídos na articulação tran- quilizadora e orientada por sentidos dados, preestabelecidos, na placidez equilibrada da faticidade cotidiana do mundo circundante, vem à tona, inexoravelmente, em meio à ocupação automatizada das tarefas diárias, a tendência de desoneração dessa responsabilidade. Esta imersão nos reti- ra, incessantemente, a percepção indispensável de assumir aquilo que mais propriamente somos em nossas possibilidades finitas, de acordo radical- mente com os nossos modos de ser no aí. Todas as execuções de tarefas em geral guiadas pelos sentidos “[...] atenuam a responsabilidade que todo ser aí precisa ser por si mesmo. Em meio a tal perda, o ser-aí se deixa levar pela ilusão de que sendo, ele não se relaciona com seu ser, de que ele é um ente dotado do modo de ser dos outros entes [...].” (CASANOVA, 2017, p. 228). Num diálogo descerrado com a alteridade do outro, nada obstante, a forma de disposição de um ente no seu campo de manifestação aparece para o intérprete como o clarear do velamento sobre a essencialidade do ser desse ente. Eis como se posiciona, em caráter situacional, o ser-aí do intérprete, cuja atividade dialogal comporta o atributo da responsabilidade de ser, a cada vez que se é. Nesse enfoque do ônus existencial de ser, Heidegger pretende justa- mente mostrar que a constituição de ser de um ente finito significa, antes
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