Direito em Movimento - Volume 20 - Número 1 - 1º semestre - 2022

21 Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 20 - n. 1, p. 15-40, 1º sem. 2022 ARTIGOS Pois bem, as possibilidades de o ente humano ser o que ele pode ser, a cada instante, implicam primeiramente em apontar para a assunção da responsabilidade de ser o que ele é, colocando em jogo os seus modos de ser, de acordo com seu caráter finito existencial. Nesse sentido, Heidegger pretende mostrar que a constituição de ser de um ente finito significa, antes de tudo, não poder transferir para outrem a responsabilidade de ser sua própria existência, em cada momento que se é, de maneira a desonerar- se do peso da dinâmica intencional do existir. Nada obstante, a descrição dos traços primordiais que explicam a finitude existencial do ser-aí carrega, paralelamente, a apreciação sobre os modos como o Dasein , de início e na maioria das vezes, realiza o seu poder-ser. Jogado ou projetado abruptamente no mundo – como normalmente a filosofia heideggeriana expressa –, o homem expõe-se, de plano, à cotidiani- dade vigente no mundo fático marcado por tradição histórica sedimentada. Nesse campo, o horizonte de sentidos narrativos e moduladores coloca-se disponível ao ser humano, quem, de saída e na maioria das vezes, nele imer- ge e deixa-se absorver inadvertidamente pela manifestação significativa dos entes em sua circunvisão, orientando-se, portanto, pela conexão de sentidos decorrentes da disposição desses entes na totalidade. Determinados his- toricamente de forma enrijecida, tais sentidos harmônicos compõem um horizonte determinante para o porvir, pela decisão antecipada, modulan- do nossos modos de ser no presente. Em outros dizeres, o ser-aí impes- soal, alienado das suas faculdades mais profundas e originárias – imerso nas urgências, afazeres, rotinas, técnicas, ou mesmo na indecisão que, no mais das vezes, acompanha o falatório mediano –, lida com o substrato sedimentado de informações não criativas, estagnadas hermeneuticamente. Esses campos sedimentados de significâncias promovem simplesmente o encurtamento do horizonte de sentido para o ser-aí e mantêm-no na “in- terpretidade” reduzida da linguagem, de acordo com essas possibilidades já sidas e positivadas em seu mundo fático impessoal: A vida social é o império do a gente, a ditadura do impessoal, o âmbito em que se confunde o todos nós e o ninguém, na medida em que se age de acordo com o que se pensa em geral. A concepção

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